12.31.2006

Ano novo

"Não existe nada completamente errado no mundo, mesmo um relógio parado consegue estar certo duas vezes por dia"

Paulo Coelho



Por mais negro e incerto que o mundo se apresente, devemos sempre olhar para um novo ano com esperança e optimismo, pois o futuro está, também, nas nossas mãos.



12.30.2006

Um telefone toca

Um telefone toca
mas ninguém nota
Toca, na escuridão
cega, da vasta multidão.

Toca invisível,
Impossível
Vindo estranhamente
soar à minha mente

Se a palavra se propaga
numa simples chamada
porque não poderei evaporar
ao atender esse chamar?

12.29.2006

Sobre um poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
– a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
– Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
– E o poema faz-se contra o tempo e a carne.

Herberto Hélder

12.27.2006

Blue dress

Put it on
And don't say a word
Put it on
The one that I prefer
Put it on
And stand before my eyes
Put it on
Please don't question why
Can you believe

Something so simple
Something so trivial
Makes me a happy man
Can't you understand
Say you believe
Just how easy
It is to please me

Because when you learn
You'll know what makes the world turn

Put it on
I can feel so much
Put it on
I don't need to touch
Put it on
Here before my eyes
Put it on
Because you realise
And you believe

Something so worthless
Serves a purpose
It makes me a happy man
Can't you understand
Say you believe
Just how easy
It is to please me

Because when you learn
You'll know what makes the world turn

Depeche Mode

12.25.2006

Bolo-rei e boas festas

É impressionante a actual vaga de normas, regras e conselhos que têm apenas o condão de estragar coisas simples, inofensivas ou tradições de gerações em nome de pseudo valores que algumas mentes brilhantes se lembram de inventar. Não acreditam? Querem ver?

Não me refiro ao novo verbo “amunikar” que substitui, a passos largos, o simples lavar de vegetais, nem à proibição de fumeiros artesanais devido a perigos cancerígenos mas, dada a quadra, ao tradicional bolo-rei. Ora não é que o Rei foi destituído de brinde e fava porque uma qualquer criatura não sabia comer.

Esse ser, quanto a mim, tem um nome: parvo. Há que dizê-lo com toda a frontalidade, como dizia o outro. Toda a gente sabe que um bolo-rei é redondo, tem massa, frutos secos e cristalizados, um buraco no meio e, surpresa das surpresas, um brinde e uma fava.

Se fosse uma azevia ou mesmo um tronco de Natal o senhor poderia, de facto, ser ferido de morte, agora um bolo-rei? Por favor. Talvez fosse um tipo azarado que, farto de pagar bolos rei à conta das favas, inventou esta ideia peregrina ou um Édipo que preferia o dourado ao prateado, provavelmente, alguém que não sabe comer com a calma e moderação devidas.

Conclusão, o bolo-rei perdeu a graça toda, assim como uma panóplia de coisas que não vou enunciar para não deprimir almas mais sensíveis, mas teve pelo menos a decência de servir para vos brindar não, com favas, mas com umas sinceras Boas Festas.

12.23.2006

Silêncios da fala

São tantos
os silêncios da fala

De sede
De saliva
De suor

Silêncios de silex
no corpo do silêncio

Silêncios de vento
de mar
e de torpor

De amor

Depois, há as jarras
com rosas de silêncio

Os gemidos
nas camas

As ancas
O sabor

O silêncio que posto
em cima do silêncio
usurpa do silêncio o seu magro labor.


Maria Tereza Horta

12.22.2006

Faz-me um favor

Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.

É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das caras e dos dias.

Tu és melhor - muito melhor!-
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.


Mário Cesariny

12.21.2006

A minha sereia

A minha sereia ainda não canta mas encanta como ninguém.
Fala na vóz dos peixes e respira sol no olhar. Suas lágrimas são meu mar, seu sorriso a vela esticada que rasga horizontes. Sua fome é minha sede, suas mãos meu alento. Na sua pele, o calor da areia fina. No seu buzio a paz dos anjos.

Não sei o que pensa a minha sereia, mas sou naufrago, prisioneiro do seu olhar.

12.20.2006

Walk on

Walk on, walk on
What you got, they can't steal it
No, they can't even feel it
Walk on, walk on
Stay safe tonight
U2


Não sei para onde caminho mas o que me persegue é um nevoeiro sinistro, que tem tanto de mágico como vertigem. Não é deste mundo nem sei quando desaguou. Certo é que ficou.

12.19.2006

Alma alfarrabista

"Eu sou do tamanho do que vejo não do tamanho da minha altura"

Alberto Caeiro


Passeava por entre os livros. Eram água para a sua sede desértica. Uma sede de conhecimento, de novos lugares, perspectivas, vivências. Tocava-os com um carinho paternal, protegendo-os, devorando-os no pavor do tempo a escorrer como areia pelas mãos. Amava-os em cada detalhe, do toque ao cheiro, no respirar da frase que acaba, em cada ondulação de corpo feminino.
Não percebia como podia haver quem os ignorasse ou trocasse e sentia uma pena profunda de quem não sabia ler ou não os podia ter. A custo, é certo, já se conseguira desprender da sua posse, preferindo tentar replicar nos outros a brisa de sensações que sempre lhe proporcionavam. Semeáva-os, deixava-os em locais públicos, estratégicos, estudados, observando quem lhes pegava e imaginando que janelas abririam noutro corpo diferente do seu. Apenas guardara um ou dois dos quais não se conseguia desfazer pois seria o mesmo retirar parte de si e, de quando em vez, quando as saudades apertavam visitava-os nas bibliotecas ou livrairas. Apenas o incomodava os que inevitavelmente ficariam por colher, por falta de tempo, conhecimento ou atenção, nesta vida fugaz que sempre será tema de livro incabado.

12.18.2006

Love theme





Ease your lips into a velvet kiss while I enfold you
Move your hands across this promised land
The seekers guided by the pole star

Say the words
Why don’t you say the words
I have been waiting long to hear
Please fall in love with me

Drift with me upon an endless sea
We are divine in the realm of these senses
Every move has been a subterfuge
While we pretend that we really don’t care

Lose your fear we might be strangers here
But I can feel we might be one
Please fall in love with me

I hear the sound of moons falling
Surrender to this charm
I breeze across your soul darling
Deep eternity

Lost your mind
Well don’t you think it’s time
To swim away from the safety of these beaches

Trust the tides,
they know which way to flow
And don’t you long to flow so far

Moved by waves wea’ve never felt before
Till we are floating way out deep
Please fall in love with me
Please

Tim Booth


Podemos negar o amor, podemos nunca o encontrar, podemos viver por amor, mas ele nunca se pede. Simplesmente bate à porta ou sai pela janela.

12.16.2006

Metamorfoses das palavras

A palavra nasceu:
Nos lábios cintila.

Carícia ou aroma,
Mal pousa nos dedos.

De ramo em ramo voa,
Na luz se derrama.

A morte não existe:
Tudo é canto ou chama.

Eugénio de Andrade


Como uma maré as palavras vão e vêm, humedecendo a pele ávida de brilho, no calor da sua dança.

12.15.2006

O astro que flameja

Escrevo-te enquanto algo resvala, acaricia, foge
e eu procuro tocar-te com as sílabas do repouso
como se tocasse o vento ou só um pássaro ou uma folha.
Chegaste comigo ao fundo aberto sob um céu marinho,
sobre o qual se desenham as nuvens e as árvores.
Estamos na aurícula do coração do mundo.
O que perdemos ganhamo-lo na ondulação da terra.
Tudo o que queremos dizer sai dos lábios do ar
e é a felicidade da língua vegetal
ou a cabeça leve que se inclina para o oriente.
Ali tocamos um nó, uma sílaba verde, uma pedra de sangue
e um harmonioso astro se eleva como uma espádua fulgurante
enquanto um sopro fresco passa sobre as luzes e os lábios.

Ramos Rosa

Não sei se sou espelho de lua, brisa salgada, ou raiz profunda a caminho do céu. Mas quando os olhos se fecham há sempre um astro que flameja.

12.13.2006

Confissão

Aqui diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
Nesta deriva em que vou.

Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,

E dos pecados mortais,
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.

Me confesso
O dono das minhas horas
O das facadas cegas e raivosas,
E o das ternuras lúcidas e mansas.

E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser um monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!


Miguel Torga

12.12.2006

Babel

Subimos em espiral
ao inexplorado topo de Babel
penteando um azul colosal
com laivos de mel

Mesoptânias de sentidos
no Olimpo se banharam,
Alma e corpo despidos
os Deuses iráram

Futuro imposível,
no silêncio adormece,
Idioma imperceptível
que o tempo agora arrefece

12.10.2006

Sono

Em Lemmos nasceste,
irmão gémeo da morte,
perpetuando no tempo
tua misteriosa finalidade.
Nas cortinas pretas
em que Hypnos descançou
tranquilidade, paz e silêncio
flutuaram Lete abaixo,
rio do esquecimento.
Teus filhos são sonhos
que nos levam nos braços
à pureza da eternindade

12.09.2006

Tejo

Madrugada,
Descobre-me o rio
que atravesso tanto
para nada;

E este encanto,
prende por um fio,
é a testemunha do que eu sei dizer.

E a cidade,
chamam-lhe Lisboa
mas é só o rio
que é verdade,
só o rio,
é a casa de água,
casa da cidade em que vim nascer.

Madredeus



Sou feito de água.
Lago cristalino,
mar revolto.
Viajo nas marés,
subo a vapor
mergulho gota a gota
e desaguo em ti,
minha cama
meu adormecer.

12.08.2006

Um simples olá

Dei por mim a magicar sobre este tema trivial. Banal, irrelevante. Talvez. Mas por vezes a nossa mente ocupa-se de coisas insignificantes, à primeira vista, que, do fundo do poço, trazem uma água fresca e cristalina.

Aquele cumprimento rápido e resposta quase automática deixou-me a pensar. “Como estás? Tudo bem?” ao qual respondi “Tudo e contigo?” para me aperceber que o diálogo já terminara pois três passos à frente a minha pergunta ficava sentada, à espera, não surtindo qualquer efeito. E se não estivesse tudo bem? Se algum de nós lhe apetecesse falar? Dar um abraço caloroso por a vida lhe sorrir. Bater com a cabeça na parede, atirar-se da janela?

Qual a lógica destes cumprimentos? Há mais. Querem ver… “Passou bem?”, que interessa o passado se já passou. “Viva”. Viva? o quê? "Bom dia" que se arrisca à ironia da cereja em cima dum bolo que já está a ser terrivel às dez da manhã, e muitas outras se pensarem bem.

Nesse momento fui comprar um gelado, não das minhas marcas favoritas, mas pelo facto de me lembrar que com um simples Olá "a vida sorri".

12.07.2006

Ainda a fogueira da descoberta

Vou dizendo
Certas coisas
Vou sabendo
Certas outras
São verdades
são procuras
Amizades
Aventuras
Quem alcança
Mora longe
Da mudança
Do seu nome
Alegria
Vão tristeza
Fantasia
Incerteza
São verdades
São procuras
Amizades
Aventuras
Quem avança
Guarda o amor
Guarda a esperança
Sem favor
Ainda
Ainda
Ainda
Ainda




Madredeus

Ainda a surpresa da vida
Ainda o fascinio do sonho
Ainda a fogueira da descoberta
Ainda o desejo do que ainda virá
Ainda...

12.05.2006

A hora do lobo

Espero por ti
na hora do lobo
quando as
nossas sombras são iguais

Luis Represas


Na nossa hora
alcateias de palavras,
juntas,
para saciar
uma fome voraz
Pela densa floresta
desbravam caminhos
deixando pegadas na neve

Na nossa hora
escalam montanhas
e, na despedida,
apenas um eco
esbatido
dum uivo
que como feitiço
se faz luar


Para uma feiticeira que se fez lobo na hora certa.

12.02.2006

Barco à vela

Nas vastas águas que as remadas medem.
tranquila a noite está adormecida.
Desliza o barco, sem que se conheça
que o espaço ou tempo existe noutra vida,
em que os barcos naufragam, e nas praias
há cascos arruinados que apodrecem,
a desfazer-se ao sol, ao vento, à chuva,
e cujos nomes se não vêem já.
Ao que singrando vai, a noite esconde o nome.


Jorge de Sena


Também eu perdi a distância,
o tempo dos que perdi,
na noite escura.
Por cada naufrágio junto as velas
içando-as numa maior,
mais forte que os nomes,
resistente a qualquer intempérie.
Uma vela que é onda e sal
aconchegando imagens,
retendo sabores
que permanecem firmes
num sol radioso

12.01.2006

O canto da sereia

Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela.
Que é tão bela,
Oh pescador?

Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Oh pescador!

Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Oh pescador!

Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Oh pescador.

Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela
Foge dela
Oh pescador!

Almeida Garrett

Em qualquer canto do mundo o verdadeiro perigo está na ausência de beleza.

11.29.2006

A sombra

Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas do próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem

Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca

Mário Cesariny


Por mais sombras que me se deparem sempre existirá uma vela dentro de mim

11.28.2006

Chocolate

" Nove em cada dez pessoas diz gostar de chocolate. A décima está a mentir"


Doce, amargo
a preto e branco
tens a cor da tentação
Encanto de sedução
Num derreter de prazer

Espesso veludo
Quente, envolvente
é na alma que viajas
Vício amante
Fulminante

Nas tuas mil formas
mil e uma noites
Cerimónia Inca
de sentidos, despidos
na magia, do chocolate

11.27.2006

Perfeição em céu azul


“Digam o que quiserem sobre os Dez Mandamentos, devemos dar-nos por felizes por ele não passarem de dez”

H. L. Mencken

Não fumava
Não bebia
Andava
Corria

Dieta sem sal
sono em dia
Regra fatal,
dizia

Morreu
atropelado
e o céu, não cedeu.
Permaneceu, azulado

11.26.2006

Um adeus ao poeta

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar
Mário Cesariny


A ele que achava que a televisão matara a conversa e estrangulava o óbvio com as duas mãos - a de pintor e a de poeta - a minha humilde homenagem.
Obrigado pela tua palavra.

11.25.2006

Vida

A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa;
A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai;
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!

A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave;
Nuvem que o vento nos ares,
Onda que o vento nos mares,
Uma após outra lançou.
A vida - pena caída
Da asa de ave ferida -
De vale em vale impelida
A vida o vento a levou!


António Aleixo

11.24.2006

Amigos

"Amigos são anjos que nos sustêm quando as nossas asas estão magoadas"


Talvez te tenha magoado.
Se aconteceu, foi apenas pela vontade de te perceber.
Juntar pequenas peças do teu silêncio cálido e frio.
Uma vontade de redescobrir a estranheza do já familiar.
A cumplicidade do olhar, o nascer dum sorriso, a confidencia de tudo o que se quiser. Bastava-me tal. Acredita.
Também me magoou a tua premeditada indiferença. Talvez difícil, não o sei.
Mas orgulho é, para mim, um sentimento pesado. Prende as asas, afunda-nos. Sempre preferi esvaziar o orgulho numa palavra.
Os amigos não se decretam. Sentem-se, descobrem-se, vivem-se e amparam-se, nos bons e maus momentos. A amizade é, também o "amor sem asas", pena que as deixes cortar assim.
Apenas pena. Nada mais.

11.22.2006

Taxi

Such a rush to do nothing at all
Such a fuss to do nothing at all
Such a rush to do nothing at all
Such a rush to get nowhere at all
Such a fuss to do nothing at all
Such a rush...


Coldplay


Cansados vão os corpos para casa de um frenesim quotidiano de tarefas, compromissos, horários. Urgentes, vitais, inadiáveis, multiplicam-se em catadupa, numa velocidade estonteante que veste o tempo de uma transparência que se dilui nos dias.
E para quê? Que velocidade é esta que não deixa saborear um passeio a pé, cozinhar um prato estupidamente demorado com o preceito do pequeno pormenor, o falar com o amigo que entretanto se perdeu o rasto, estudar os eternos mistérios, do universo à filosofia, contemplar as estrelas, ler, reler, reflectir, descobrir, viajar, inventar.
Tantas das nossas preocupações, lutas e desgaste são laranjas sem sumo na salada de frutas do nosso almoço apreçado. Já estou atrasado. Taxi...

11.20.2006

One day

One day maybe we will dance again
Under fiery skies
One day maybe you will love again
Love that never dies

One day maybe you will see the land
Touch skin with sand
You've been swimming in the lonely sea
With no company

Oh, don't you want to find?
Can't you hear this beauty in life?
The roads, the highs, breaking up your life
Can't you hear this beauty in life?

One day maybe you will cry again
Just like a child
You've gotta tie yourself to the mast my friend
And the storm will end

Oh, don't you want to find?
Can't you hear this beauty in life?
The times, the highs, breaking up your mind
Can't you hear this beauty in life?

Oh, you're too afraid to touch

Too afraid you'll like it too much
The roads, the times, breaking up your mind
Can't you hear this beauty in life?

One day maybe I will dance again
One day maybe I will love again
One day maybe we will dance again
You know you've gotta
Tie yourself to the mast my friend
And the storm will end
One day maybe you will love again
You've gotta tie yourself to the mast my friend
And the storm will end

The Verve
Talvez, um dia...

11.19.2006

Asas


Asas servem para voar
para sonhar ou para planar
Visitar espreitar espiar
Mil casas do ar

As asas não se vão cortar
Asas são para combater
Num lugar infinito
para respirar o ar

As asas são
para proteger te pintar
Não te esquecer
Visitar espreitar-te bem alto do ar

Só quando quiseres pousar
da paixão que te roer
É um amor que vês nascer
sem prazo, idade de acabar
Não há leis para te prender
aconteça o que acontecer.

GNR
Hei-de sempre voar!

11.18.2006

Portugal

Ai Portugal, Portugal
Do que é que tu estás á espera?
Tens um pé numa galera
E o outro no fundo do mar


Jorge Palma


Pedaço de terra virado para o mar.
Navegador destemido,
Como te fizeste
tão pobre de horizonte?


Criatividade nunca te faltará,
pena que a uses,
apenas para te enganar
a ti próprio.


Sacrifícios, cada vez menos,
consolados na saudade, tão tua.
Será o fado que te quebra a ambição?
Adormecendo-te num negativismo moribundo?


O som das gaivotas junto às velas velozes
são agora abutres imóveis, de mal dizer,
para quem as vitórias nunca são suadas,
mera "sorte", na inveja do deixa andar.


Que sonhos tens?
Que vontades?
Com que vibras tu? Chutos na bola?
Solta as amarras, acorda deste pesadelo.


Existe um Portugal
em quadro de Paula Rego
com prefácio de Lobo Antunes
e banda sonora dos Madredeus.
onde João Magueijo questiona Einstein
e Damásio contraria Descartes.


Um Portugal com o mistério de Sintra
e o sabor das pataniscas de bacalhau
onde história se casa com o futuro
e tudo apenas à distância
da ambição.

11.16.2006

Piano

Na perfeição divina
da cauda de um piano
me perdi para sempre
no percorrer das mãos.

Sensualidade noturna
em forma esguia, fugidia.
Mulher fatal, num tranquilo
esperguiçar.

Branco e preto
em ressonância de cores
do poder de ataque
à mais pura leveza.

Corpo e alma
que se espalha e dilui
numa sala fechada
com vista para o mundo.

11.15.2006

Brilhos

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive

Ricardo Reis


Nem tudo o que toco brilha, mas é, de facto, brilhante o brilho que contagia, outro brilho.

11.12.2006

Essa música

Essa música ou água
Quando a água é álamo

Essa música ou terra
Quando a terra é barco

Essa música ou chama
Quando a chama é onda

Essa música – eras tu
Ou um pássaro na sombra?

Eugénio de Andrade


Lembro a música dos teus gestos, sedosos, de quimono que se fez asa, e voou.

11.10.2006

Néon

Movimento constante, ruído, automóveis. Partidas e chegadas temperadas por uma luz sufocante, com vida própria. Era a sua primeira noite em Hong-Kong e ainda não sabia responder ao porquê da sua escolha. Um lugar distante bastara, talvez, curiosidade inconsciente, pela urbe cosmopolita oriental, entregue pelos Ingleses à China, assim como ele se deixara entregar ao desconhecido, num fim do mundo onde não conhecia ninguém.

Saíra repentinamente e, acompanhado pelos seus pensamentos, passeava nas ruas entre letras indecifráveis, restaurantes com comida de sorteio, palavras sem sentidos. Seguia em frente atraído pelas luzes sem conseguir parar. De repente, um sorriso com a metáfora que também se lhe iluminara na cabeça: Não há luz ao fundo do túnel mas um túnel de luz onde nem o escuro se consegue vislumbrar.



11.09.2006

In your room




In your room
Where time stands still
Or moves at your will
Will you let the morning come soon
Or will you leave me lying here
In your favourite darkness
Your favourite half-light
Your favourite consciousness
Your favourite slave

In your room
Where souls disappear
Only you exist here
Will you lead me to your armchair
Or leave me lying here
Your favourite innocence
Your favourite prize
Your favourite smile
Your favourite slave

I'm hanging on your words
Living on your breath
Feeling with your skin
Will I always be here

In your room
Your burning eyes
Cause flames to arise
Will you let the fire die down soon
Or will I always be here
Your favourite passion
Your favourite game
Your favourite mirror
Your favourite slave

I'm hanging on your words
Living on your breath
Feeling with your skin
Will I always be here

Will I always be here

Depeche Mode

11.08.2006

Gomo de tangerina

Todos vieram
ver a menina
ao primeiro gomo da tangerina
menina atenta
não experimenta
sem primeiro
saber do cheiro
o sabor nos lábios
gestos sábios

Fruta esquisita
menina aflita
ao primeiro gomo da tangerina
amarga e doce
como se fosse
essa hora
em que chora
e depois dobra o riso
e assim faz seu juízo

Ah, que se lembre
sempre a menina
do primeiro gomo da tangerina
p'la vida dentro
é esse o centro
da parcela da vitamina
que a faz crescer sempre menina

A terra é grande
é pequenina
do tamanho apenas da tangerina
quem mata e morre
nunca percorre
os caminhos do que há de melhor
nesse sumo
a vida, gomo a gomo

Sumo na vida
é o que eu te desejo
rumo na vida
um beijo
um beijo


Sérgio Godinho

11.07.2006

Magia do impossível

Pouco importa o nome:
Para nascer
Escolhi um rio.

A criança que fui
Tem agora a idade
De uma pedra de água.

Enquanto dorme
Parte com os pombos bravos.
Quando regressar
Virá com os álamos.
Eugénio de Andrade




Curioso, adormecer acordando sonos, que uma vez dispertos, não mais descançam. Viajam por mares nunca navegados, sem dia nem noite, batendo asas para o universo que logo se faz oceano. Fogo de espuma, música que cheira, céu de carícias na magia do impossível.

11.06.2006

Deusa grega

Pelo teu salto
subi à brancura das nuvens
para te trazer de volta
em passadeira vermelha.

Deusa Grega,
a forma do teu sapato.
Prada que se fez prado
numa tacada de golf.

Bola incandescente
a perder de vista,
na inquietude
das nossas conversas.

11.05.2006

Tatuagens

Em cada gesto perdido
Tu és igual a mim
Em cada ferida que sara
Escondida do mundo
Eu sou igual a ti

Fazes pinturas de guerra
Que eu não sei apagar
Pintas o sol da cor da terra
E a lua da cor do mar

Em cada grito de alma
Eu sou igual a ti
De cada vez que um olhar
Te alucina e te prende
Tu és igual a mim

Fazes pinturas de sonhos
Pintas o sol na minha mão
E és mistura de vento e lama
Entre os luares perdidos no chão

Em cada noite sem rumo
Tu és igual a mim
De cada vez que procuro
Preciso um abrigo
Eu sou igual a ti

Faço pinturas de guerra
Que eu não sei apagar
E pinto a lua da cor da terra
E o sol da cor do mar

Em cada grito afundado
Eu sou igual a ti
De cada vez que a tremura
Desata o desejo
Tu és igual a mim

Fazes pinturas de sonhos
E pinto a lua na tua mão
Misturo o vento e a lama
Piso os luares perdidos no chão
Mafalda Veiga

11.04.2006

Felina imaginação


“Por vezes o entendimento descontrai-se para que a esperança se divirta com o que a imaginação sonha.”



Camuflado, na pacatez aparente,
numa lentidão imóvel, invisível,
percorre a sombra
com passos firmes.

Um olhar sedutor, magnético
encurta distâncias,
preparando o ataque
felino, meticuloso.

Eis que surge.
Do nada, com o esvoaçar dos pássaros.
Arrastando, em seu salto,
a mente para outro local.

A imaginação é um Tigre
de quentes tonalidades laranja
e suas listas negras são
varinhas de condão.

Na viagem mágica que é a imaginação.

11.03.2006

A corda


Assim me prendeste
à música das ondas
do teu sorriso,
mistério de espuma.

Assim me apertaste
num nó cego
ao horizonte infinito
do teu olhar.

Assim me amarraste
ao frágil sotaque
de sereia
a correr na praia.

Assim me entrelaçaste
nas densas algas
da tua natureza
revolta.

Assim me liguei a ti,
como corda salgada
por mares navegados
em noites estreladas.

Fazes-me falta.
A corda também
se atira
e agarra.

11.02.2006

Escuridão brilhante

Onde estás que não te vejo?
Sinto-te a toda a volta,
sinto-te em mim...
Mas não te vejo...
Sinto-te na alma, sinto-te no coração
quase tão real, que quase poderia segurar na tua mão.
Mas não te vejo...

Procuro por ti
em cada rua, em cada canto
para terminar a minha busca,
triste e amarga.
Mas não te vejo...
Não te vejo mas eu sei
que não será sempre assim,
pois eu colho da paixão
a força que trago em mim.

Eu não te vejo...
mas será isto ilusão, será isto loucura...
ou talvez na sua forma mais pura,
apenas paixão e desejo?!
Não te vejo,
mas digo com o sabor de uma alma que sentiu.
Não é só o desejo de te encontrar,
é também a saudade
de quem nunca de mim saiu.
M.


Quantas vezes é na total escuridão que brilha a alma e se ilumina um poema.
Não sei se foi o caso, mas sempre preferi voar no desconhecido da escuridão brilhante a permanecer imóvel em claridades que ofuscam.

11.01.2006

Tarantula


"Quando se gosta da vida, gosta-se do passado, porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória humana"

Marguerite Yourcenar


Na teia dos meus pensamentos
percorri o passado num cálice de Porto
descendo o rio
com a brisa vagarosa da noite.

Escorreguei em espelhos de água
danças de flashs, imagens.
Derrotas mais importantes que vitórias
beijos de veludo, cumplicidades, amigos.

O passado é uma tarantula
macia ao toque, venenosa
se por lá ficamos, embalados
agarrados ao que não volta.

Passado o calor no peito.
Presente o património da memória
o futuro permanece escondido,
na teia de uma tarantula.

10.31.2006

Medo de amar

“Eu quis amar mas tive medo,
E quis salvar o meu coração,
Mas o amor sabe o segredo,
O medo pode matar o coração”

Vinicius de Morais

De todos os medos é, talvez, o que mais me custa a compreender.

10.29.2006

Corpo e alma

O corpo nunca é triste;
o corpo é o lugar mais perto
onde o lume canta.
É na alma que a morte faz a casa.
Eugénio de Andrade


A beleza de um corpo dissipa-se na alma de dois.
Quando tal acontece nasce a tristeza da alma em sua memória.

10.28.2006

Suprema

Suprema força que me atrai
para o que temo
e o meu temor me excita mais
e mais... e mais...
Suprema calma que te encarna
e não me acalma
e a tua mansa, mansa fala
já calou...
Supremo canto dos teus lábios
talvez escárnio
de mim mesma...
talvez a vida
louca vida
me roubou...
Suprema luz que me fascina...
supremo enlevo
que me toca
e dia-a-dia
dia-a-dia
me assassina...


Isabel Machado

10.27.2006

Sinais


“Não declares que as estrelas estão mortas só porque o céu está nublado”

Provérbio Árabe

Universo de sinais
espalhados pelo teu corpo,
como um manto
de estrelas sardentas.

Em todos eles
o mistério da descoberta.
Um longo caminho,
sem tempo, sem gravidade.

Em cada um,
o pedaço de céu
que os deuses
colocaram na pele.

Constelação de sensações
no rasto de um beijo,
cauda de cometa, a percorrer
vagarosamente, as costas despidas.

Queria todo o zodiaco
do teu corpo.
Terra, água e fogo,
vida e morte.

Se as estrelas também esmorecem
há sinais que mesmo cobertos
na seda mais negra e densa,
simplesmente permanecem.

Não se esquecem.

10.26.2006

Pena

De todas as mágoas
dores, desilusões
fiz um disfarce,
uma máscara.

Para ver se lhes
perdia o rasto
afogadas, num carnaval
de Veneza.

Dei-lhe as
cores garridas
dum Monet,
rei do impressionismo.

Impressionou-me
vê-las, impermeáveis
no abrir de cauda
exposto, dum pavão

Que pena...

Assíduos do shaker

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