3.31.2007

Until the end of the world




Havent seen you in quite a while
I was down the hold, just passing time
Last time we met was a low-lit room
We were as close together as bride and groom
We ate the food, we drank the wine
Everybody having a good time
Except you
You were talking about the end of the world

I took the money, I spiked your drink
You miss too much these days if you stop to think
You led me on with those innocent eyes
And you know I love the element of surprise
In the garden I was playing the tart
I kissed your lips and broke your heart
You, you were acting like it was the end of the world

In my dream I was drowning my sorrows
But my sorrows they learned to swim
Surrounding me, going down on me
Spilling over the brim
In waves of regret, waves of joy
I reached out for the one I tried to destroy
You, you said youd wait until the end of the world.


U2

3.30.2007

Elixir de uvas

Veio à terra em forma de semente para rapidamente germinar em forma de uva. Cedo marcou a sua presença pois, já na videira, se destacava das demais pela perfeição da forma e um brilho magnético que atraía desmesuradamente todas as formas de vida. Insectos, pássaros e até chuva e raios de sol persistiam em tentar acorrer aos seus deliciosos chamamentos. Mas tinha tanto de belo como de resistente e persistia, numa força de vida sobrenatural que brotava da sua existência.

Ao seu lado, mirrava o seu oposto. E quanto mais se olhava para a outra, bela e vigorosa, mais dó nos merecia aquela pobre amostra de vida murcha, encarquilhada e desmaiada, que nem o sol parecia querer tocar. Mas eram ambas irmãs, da mesma seiva nascidas. O que a outra tinha de belo, esta tinha de penoso, o que ela tinha de vida, este parecia acrescentar em definhamento. E quanto mais a primeira crescia e desabrochava, mais a outra parecia encolher-se e desistir. No entanto, persistia, teimosamente, num martírio teimoso.

Foi então que algo de estranho aconteceu. A sua sombria existência abandonara o lar para cair à terra numa lentidão frágil, em câmara lenta, como se o mundo parasse para observar. Ao tocar o solo, fez-se um silêncio ensurdecedor. Não se ouvia vivalma e o mundo aguardava como um animal calado mas inquieto, a antever uma catástrofe. E ali ficou, imóvel ao olhar, mas rolando lentamente, na sua forma amorfa e amassada. Numa agoniante viagem, em que os minutos pareciam horas e estas dias, percorreu a encosta até encontrar a parede do casario.


Continuação em

3.29.2007

Saudade

Do nosso sentar
apenas o frio da pedra

Dos longos passeios sem destino
apenas as curvas do carreiro

Das histórias intermináveis
apenas o brilho entre a folhagem

Do assobio bem disposto
Apenas o silêncio dos pássaros

Da paciência interminável
Apenas pedaços de memória

Do olhar ávido de criança
Apenas saudade em olhos fechados

Das histórias intermináveis
O tanto que faltou conversar

Saudades. Tantas...


Para uma pessoa especial que já não está.

3.28.2007

Dorme

Cala-te, a luz arde entre os lábios
e o amor não contempla, sempre
o amor procura, tacteia no escuro,
esta perna é tua? É teu este braço?,
subo por ti de ramo em ramo
respiro rente à tua boca,
abre-se a alma à língua, morreria
agora se mo pedisses, dorme,
nunca o amor foi fácil, nunca,
também a terra morre.



Eugénio de Andrade

3.27.2007

Desconhecido

"De um modo geral, o homem tem de andar às apalpadelas; não sabe de onde veio nem para onde vai, conhece pouco do mundo e menos ainda de si mesmo"

Johann Goethe


3.25.2007

O pior português

António de Oliveira Salazar
Três nomes em sequência regular...
António é António
Oliveira é uma árvore.
Salazar é só apelido.
Até aí está tudo bem.
O que não faz sentido
É o sentido que isso tudo tem


Fernando Pessoa


O pior português é a ignorância. A total indiferença pela história, a falta de fascínio pelo conhecimento e saber. O facilitismo apático da crítica sem acção. Um amorfismo pantanoso que nos afunda lentamente, parados no tempo, num sabe tudo analfabeto.

O pior português é a falta de educação que coloca no mesmo saco génios e vulgares, sufocando tudo como erva daninha. É o ser cigarra invejando a formiga, achando tudo cair dos céus.

O pior português é sobretudo não dar valor à liberdade trocando-a por uma suposta segurança: podre, monótona, de foros e quintais.

Embaraçoso. Quase vergonhoso este Portugal secular mas de tão pequena memória, que prefere ditadores e opressores a descobridores e poetas.

3.24.2007

Deciphering the codes in you






You’re in control
Is there anywhere you want to go
You’re in control
Is there anything you want to know
The future’s for discovering
The space in which we're travelling

From the top of the first page
To the end of the last day
From the start in your own way
You just want
Somebody listening to what you say
It doesn’t matter who you are

Under the surface trying to break through
Deciphering the codes in you
I need a compass, draw me a map
I’m on the top, I can’t get back

The first line of the first page
To the end of the last place
You were looking
From the start in your own way
You just want
Somebody listening to what you say
It doesn’t matter who you are

You just want somebody listening to what you say
You just want somebody listening to what you say
It doesn’t matter who you are
It doesn’t matter who you are

Is there anybody out there who
Is lost and hurt and lonely too
Are they bleeding all your colors into one
And if you come undone
As if you’d been run through
Some catapult it fired you
You wonder if your chance will ever come
Or if you’re stuck in square one


Coldplay

3.22.2007

Vertigens de infinito


Imóvel. Estendido ao sol. Embevecido a olhar almofadas de núvens espalhadas num extenso lençol azul, por entre as torres espelhadas, respirou mais fundo, de repente. Acelerado por uma forte vertigem de infinito que o fez sentar-se, abalado. Com a sensação de não saber onde ter caído, ali naquela calma. Deitado. Imóvel.

3.21.2007

Musa

Aqui me sentei quieta
Com as mãos sobre os joelhos
Quieta muda secreta
Passiva como os espelhos

Musa ensina-me o canto
Imanente e latente
Eu quero ouvir devagar
O teu súbito falar
Que me foge de repente


Sophia de Mello Breyner Andersen


A poesia é um mar de espelhos para a vida e de todos os ângulos será sempre uma das minhas musas. Neste dia mundial da poesia lembro a sua cantiga que me acompanha em todos os outros.

3.19.2007

Pedras e polimentos

"A educação é para a alma o que a escultura é para um bloco de mármore"

Joseph Adison


Acreditem no que vos digo, os mármores são sem dúvida um sector com forte potencial no nosso país.

3.18.2007

Unmade bed

A diminuta
flor da candeia,
na mesa o pão o vinho
a rosa,
a súbita
brancura da cama aberta –
a eternidade
milimetricamente
a dividir contigo.

Eugénio de Andrade

3.17.2007

The world is not enough




I know how to hurt
I know how to heal
I know what to show
And what to conceal

I know when to talk
And I know when to touch
No one ever died, from wanting too much

The World is Not Enough
But it is such a perfect place to start my love
And if you're strong enough,
Together we can take the world apart my love

People like us
Know how to survive
There's no point in living
If you can't feel alive

We know when to kiss
And we know when to kill
If we can't have it all
Then nobody will

The World is Not Enough
But it is such a perfect place to start my love
And if you're strong enough,
Together we can take the world apart my love

I feel safe
I feel scared
I feel ready
And yet where we've been,
The World is Not Enough
But it is such a perfect place to start my love
And if you're strong enough,
Together we can take the world apart my love

The World is Not Enough
The World is Not Enough
No nowhere near enough
The World is Not Enough


Garbage

3.16.2007

Pouco mais há a dizer

pouco mais há a dizer. caminho largando os últimos resíduos da memória. fragmentos de noite escritos com o coração a pressentir as catástrofes do mundo, a grande solidão é um lugar branco povoado de mitos. de tristezas e de alegria. mas estou quase sempre triste. algumas fotografias revelam-me que noutros lugares já estivera triste. por exemplo, no fundo deste poço vi inclinar-se a sombra adolescente que fui. água lunar, canaviais, luminosos escaravelhos. este sol queimando a pele das plantas. caminho pelos textos e reparo em tudo isto. o que começo deixo inacabado, como deixarei a vida, tenho a certeza, inacabada. o mundo pertenceu-me, a memória revela-me essa herança, esse bem. hoje, apenas sinto o vento reacender feridas, nada possuo, nem sequer o sofrimento. outra memória vai tomando forma, assusta-me. ainda quase nada aconteceu e já envelheci tanto. um jogo de estilhaços é tudo o que possuo, a memória que vem ainda não tem a dor dentro dela. as grafias e os textos, teu rosto, poderiam projectar-me para um futuro feliz, ou contarem-me os desastres dos recomeçados regressos. mas, quando mais tarde conseguir reparar que a vida vibrou em mim, num instante, terei a certeza de que nada daquilo me pertenceu. nem mesmo a vida, nenhuma morte. na mesma posição, reclinado sobre o meu frágil corpo, recomeço a escrever. estou de novo ocupado em esquecer-me. a escrita é precária morada para o vaguear do coração. resta-me a perturbação de ter atravessado os dias, humildemente, sem queixumes. anoitece ou amanhece, tanto faz.


Al Berto

3.15.2007

A ponte

Talvez o espesso manto branco
Te torne tão difícil de encontrar
Invisível à luz dos dias
Transparente, aos olhares apressados
Que tudo sabem. Que tudo julgam.

A verdade não existe
Mas pequenas mentiras
que ao derreter desvendam parte
do seu sinistro caminho
para logo se voltar a cobrir

Existe uma ponte que poucos conhecem.
Separa o óbvio do inexplicável
Dela se contempla o rio da vida
Que corre sem razão aparente
e, ao que julgam, sem lei ou batina.


3.14.2007

Aquele olhar

Frente a frente olharam-se. Primeiro de passagem, depois sem horários, fixamente. Olhos nos olhos, percorrendo estações e apeadeiros dos seus corpos. Sentados. Imóveis. Separados por uma linha, olhavam-se e gostavam do que viam. Sem palavras, sem pudores, sem receios, sem consequências. Na segurança de uma distância, ainda que pequena, apenas um olhar. Um olhar que sussurrava, que chamava e os levava em viagem para outro local.
De repente, ao fundo do túnel, uma barreira móvel de luz, vidros e pessoas surge para, ao partir, levar também aquele olhar.

3.13.2007

I want it all


Para alguém que deixou pegadas e voltou. Bem vinda!




I see a river
It's oceans that I want
You have to give me everything
Everything's not enough

It's my desire
To give myself to you
Sometimes

Sometimes I try
Sometimes I lie, with you
Sometimes I cry
Sometimes I die, it's true
Somewhere I find
Something that's kind

And I've crossed the line again
A line I drew in sand
Still you give me everything
And everything's not enough

I'm ready but not willing
To give myself to you
Sometimes

Sometimes I try
Sometimes I lie, with you
Sometimes I cry
Sometimes I die, it's true
Somewhere I find
Something that's kind

Come on over
Lay down beside me
And I'll try
Come on over
Lay down beside me
And I'll try And I'll try

I want it all

Depeche Mode

3.12.2007

Longa viagem

Do ondular o pêndulo dos dias. A luta contra o tempo num encurtar de distâncias. O tempo que passou. O tempo que resta. O tempo que há-de vir. Onde vários eus se comprimem entre a vastidão de céu e mar em diálogos silenciosos.

Barco e navegante em sintonia de movimentos. Adrenalina. Força. Vitórias e derrotas. Saudades. Esquecimentos. Descobertas.

Ousadia e tradição, algures num horizonte salpicado por espuma branca salgada. Guiado pela estrela polar desfiando, aos poucos, o embaraçado novelo de ideias e pensamentos num fio ondulado, que se liberta em rasto branco deixado para traz.

3.11.2007

Mar

Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto ao mar


Sophia de Mello Breyner Andersen
Está dito!

3.10.2007

Volver





Yo adivino el parpadeo
de las luces que a lo lejos
van marcando mi retorno.

Son las mismas que alumbraron
con sus pálidos reflejos
hondas horas de dolor.

Y aunque no quise el regreso
siempre se vuelve
al primer amor.

La vieja calle
donde me cobijo
tuya es su vida
tuyo es su querer.

Bajo el burlon
mirar de las estrellas
que con indiferencia
hoy me ven volver.

Volver
con la frente marchita
las nieves del tiempo
platearon mi sien.

Sentir
que es un soplo la vida
que veinte años no es nada
que febril la mirada
errante en las sombras
te busca y te nombra.

Vivir
con el alma aferrada
a un dulce recuerdo
que lloro otra vez.

Tengo miedo del encuentro
con el pasado que vuelve
a enfrentarse con mi vida.

Tengo miedo de las noches
que pobladas de recuerdos
encadenen mi soñar.

Pero el viajero que huye
tarde o temprano
detiene su andar.

Y aunque el olvido
que todo destruye
haya matado mi vieja ilusión,

guardo escondida
una esperanza humilde
que es toda la fortuna
de mi corazón.

Volver
con la frente marchita
las nieves del tiempo
platearon mi sien.

Sentir
que es un soplo la vida
que veinte años no es nada
que febril la mirada
errante en las sombras
te busca y te nombra.

Vivir
con el alma aferrada
a un dulce recuerdo
que lloro otra vez.



Estrela Morente

3.09.2007

Waiting

"O problema de ser pontual é que não existe ninguém para lhe dar valor"

Franklin P. Jones

Mesmo sem ninguém em redor dou muito valor à pontualidade.

3.08.2007

Lídia

Não creias Lídia, que nenhum estio
Por nós perdido possa regressar
Oferecendo a flor
Que adiámos colher.

Cada dia te é dado uma só vez
E no redondo círculo da noite
Não existe piedade
Para aquele que hesita.

Mais tarde será tarde e já é tarde.
O tempo apaga tudo menos esse
Longo indelével rasto
Que o não-vivido deixa.

Não creias na demora em que te medes.
Jamais se detém Kronos cujo passo
Vai sempre mais à frente
Do que o teu próprio passo.

Sophia de Mello Breyner Andersen

3.07.2007

O jardim dos poetas

No jardim dos poetas há um brilho invisível que tudo ilumina. Há silêncio frio e emoções sonoras em raios de sol, surgindo por entre árvores seculares.
No jardim dos poetas há crianças de todas as idades e pássaros contadores de histórias. Há folhas de Outono que não caem mas se levantam para o céu.
No jardim dos poetas há aromas de frutos silvestres no salpicar dos ribeiros a correr, pelas veias. Amantes que se tocam ao luar dos dias e saudades a coaxar junto ao lago dos peixes da memória. No jardim dos poetas moram segredos antigos, guardados pelas estatuetas clássicas de anjos e demónios e há sempre um nevoeiro de mulher vestida em noite estrelada, que dá corpo e alma ao jardim dos poetas.

3.06.2007

All Good Things





Honestly what will become of me
don't like reality
It's way too clear to me
But really life is daily
We are what we don't see
Missed everything daydreaming

Flames to dust
Lovers to friends
Why do all good things come to an end
Flames to dust
Lovers to friends
Why do all good things come to an end
come to an end come to an
Why do all good things come to end?
come to an end come to an
Why do all good things come to an end?

Traveling I only stop at exits
Wondering if I'll stay
Young and restless
Living this way I stress less
I want to pull away when the dream dies
The pain sets in and I don't cry
I only feel gravity and I wonder why

[Chorus]


Well the dogs were whistling a new tune
Barking at the new moon
Hoping it would come soon so that they could
Dogs were whistling a new tune
Barking at the new moon
Hoping it would come soon so that they could
Die die die die die

Flames to dust
Lovers to friends
Why do all good things come to an end
Flames to dust
Lovers to friends
Why do all good things come to an end
come to an end come to an
Why do all good things come to end?
come to an end come to an
Why do all good things come to an end?


Nelly Furtado

3.05.2007

Presa em mim

Aqui me sinto presa. Em mim. Presa neste corpo. Fraco, apertado, que desperta o desejo dos homens e a inveja das mulheres. Este corpo belo para tantos mas duma indiferença, quase invisível, para meu ser.

Corpo que não escolhi. Que embrulhou esta alma rebelde, com um laço apertado, que estrangula e aleija esta inquieta leveza insaciável que quer a fuga a todo o momento.

Não sei que corpo lhe serviria. Penso que nenhum. Ou talvez algum ainda não inventado. Mais denso, mais inócuo, que cobrisse melhor esta luz que tenta sair por todos os meus poros.

E assim continuo. Estática. Presa. Presa no meu corpo como fera enjaulada às voltas, num lento enlouquecer. Penso se a morte calará esta voz ou se já morri e fiquei presa neste caixão.

Aqui estou. Existo. Persisto. Presa em mim…

3.04.2007

Rosas

O que achava mais interessante nas rosas não era a sua notoriedade quase vulgar. A flor das flores. A associação ao amor. A variedade de cores para todos os gostos ou ocasiões: vermelho paixão, branco pureza, amarelo liberdade, champagne admiração e até preto sofisticado.

Gostava de rosas porque era assim que sempre lhe tinham chamado. Rosa. Simplesmente Rosa, nada mais. Um nome vulgar para muitos, mas não para ela que amava as coisas simples da vida como ninguém. E, apesar de todos os espinhos que esta lhe reservara, sempre os soubera ultrapassar com um sorriso nos lábios. Vermelho Rosa, lá está.

Tivera seis filhas. Lindas, de pele rosada e aroma floral com a força da natureza. São Rosas, também, curiosidade, mas não são milagre.

Apenas Rosas, como a mãe.

3.03.2007

O caminho

Um caminho. Sempre um caminho. E opções, escolhas, direcções.
Caminhos que se cruzam, que se distanciam. Caminhos que se separam. Temporariamente. Definitivamente. “O caminho faz-se caminhando”, quantas vezes envolto num nevoeiro cerrado ou noite escura. Quantas vezes sem nos apercebermos que já tomámos outro atalho. Em direcções tão diferentes das inicialmente traçadas. Mas talvez o mais intrigante e inquietante, deste caminho, é que a mais inconsciente direcção poderá mudar totalmente o rumo da viagem. E a outra, deixada para traz, já não volta, e poderia ter sido totalmente diferente. Melhor? Pior? Quem sabe? Mas passou. Inconscientemente. Imperceptivelmente, ao sabor do acaso. Como uma gota de água que escorre por uma parede, para local incerto.
Este caminho é a vida e é isso que a torna tão interessante.

3.02.2007

Musicalidade de infância

O maestro sacode a batuta,
E a lânguida e triste música rompe…

Lembra-me a minha infância, aquele dia
Em que eu brincava ao pé dum muro de quintal

Atirando-lhe com uma bola que tinha de um lado
O deslizar de um cão verde, e do outro lado
Um cavalo azul a correr com um jockey amarelo…

Prossegue a música, e eis na minha infância
De repente entre mim e o maestro, muro branco,
Vai e vem a bola, ora o cão verde,
Ora um cavalo azul com um jockey amarelo…

Todo o teatro é o meu quintal, a minha infância
Está em todos os lugares, e a bola vem a tocar música,
Uma música triste e vaga que passeia no meu quintal
Vestida de cão verde tornando-se jockey amarelo…
(Tão rápida gira a bola entre mim e os músicos…)

Atiro-a de encontro à minha infância e ela
Atravessa o teatro todo que está aos meus pés
A brincar com um jockey amarelo e um cão verde
E um cavalo azul que aparece por cima do muro
Do meu quintal… E a música atira com bolas
À minha infância… E o muro do quintal é feito de gestos
De batuta e rotações confusas de cães verdes
E cavalos azuis e jockeys amarelos…
Todo o teatro é um muro branco de música
Por onde um cão verde corre atrás da minha saudade
Da minha infância, cavalo azul com jockey amarelo…

E de um lado para o outro, da direita para a esquerda
Donde há árvores e entre os ramos ao pé da copa
Com orquestras a tocar música,
Para onde há filas de bolas na loja onde a comprei
E o homem da loja sorri entre as memórias da minha infância…

E a música cessa como um muro que desaba,
E a bola rola pelo despenhadeiro dos meus sonhos interrompidos,
E do alto de um cavalo azul, o maestro, jockey amarelo tornando-se preto

Agradece, pousando a batuta em cima da fuga dum muro,
E curva-se, sorrindo, com uma bola branca em cima da cabeça,
Bola branca que desaparece pelas costas abaixo…



Fernando Pessoa

3.01.2007

Figuras de estilo

“É bom fumar. É uma metáfora do mundo.”

Pedro Paixão


Este mundo está repleto de metáforas. Com mais ou menos fumo, passam por nós ora subtilmente imperceptíveis, ora incandescentes, ferindo de tão explícitas.

Assíduos do shaker

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