7.31.2009

Já só falta descobrir duas



Só para reforçar o que disse sobre o concerto deste senhor, e tendo encontrado uma das músicas, que não conhecia* e me encantaram, deixo-a [infelizmente apenas num excerto], sem quaisquer palavas [de desnecessárias, estou em crer]. Deixo-a carinhosamente, até regressar de férias. Façam o favor de se divertir, e, já agora se possível, de irem descobrindo músicas como esta para me enviarem.

XinXin

* alguém sabe o nome?

Caminhos

Novamente férias: Lisboa-Sevilha-Cádiz-Granada-Lisboa. Nada marcado. Percurso ainda sujeito a alterações [ou a eliminar alguma escala] por falta de tempo para tantos locais. Vontade de conduzir de noite. Mala pequena, reduzida ao mínimo essencial: calças de ganga, camisas brancas, T-shirts frescas e uns calções de banho "muy guapos", óculos escuros, dois livros [em pulgas por serem iniciados], moleskian acabadinho de estrear, caneta preta e ipod replecto de música. Uma única coisa que faço questão de levar [carinhosamente], e me prende o pensamento. Vontade de libertar, à deriva, uns olhos sedentos de atenção e acaso. Vontade de dormir ao relento, num pátio arabesco pintado a céu estrelado [onde mora também uma estrela, que me acompanha, que espera por mim, que me ilumina]. Idas e regressos. Pausas e ganhar forças. Passos e descansos. Nunca, paragens. Caminho. Caminhos.

7.30.2009

Simplesmente...



Leonard Cohen, Suzanne


Simplesmente, o maior lirico-pop ainda vivo
Simplesmente, uma das vozes masculinas mais sensuais
Simplesmente, uma necessidade de o ouvir ao vivo
Simplesmente, a prova de que a idade pode trazer coisas muito boas
Simplesmente, um conjunto de músicos de eleição
Simplesmente, vontade de deixar rebentar e assimilar lentamente cada palavra
Simplesmente, arrepiante e envolvente
Simplesmente, as saídas de palco mais charmosas e divertidas
Simplesmente, a vontade de envelhecer com o seu estilo e usar chapéu com fato escuro
Simplesmente, o melhor concerto que já assisti [e já fui a muitos]
Simplesmente, perfeito e memorável
Simplesmente, o meu sincero obrigado Sir Leonard Cohen


Concerto de Leonard Cohen, Pavilhão Atlântico em Lisboa


Apesar de conhecer quase todas as músicas de cor, e de ter tocado quase todas as minhas favoritas, ouvi três que não conhecia e adorava que alguém entendido me revelasse o nome delas. Se alguém gravou a última música do concerto, diga-me, que eu pago. A sério!

7.29.2009

Free

“Se admitirmos que a vida humana pode ser regida pela lógica, a própria possibilidade da vida é destruída.”

Into the wild film

* a primeira foto deste blog tirada pessoalmente

Núvem


Encantei-me com as nuvens, como se fossem calmas
locuções de um pensamento aberto. No vazio de tudo
eram frontes do universo deslumbrantes.
Em silêncio via-as deslizar num gozo obscuro
e luminoso, tão suave na visão que se dilata.

Que clamor, que clamores mas em silêncio
na brancura unânime! Um sopro do desejo
que repousa no seio do movimento, que modela
as formas amorosas, os cavalos, os barcos
com as cabeças e as proas na luz que é toda sonho.

Unificado olho as nuvens no seu suave dinamismo.
Sou mais que um corpo, sou um corpo que se eleva
ao espaço inteiro, à luz ilimitada.
No gozo de ver num sono transparente
navego em centro aberto, o olhar e o sonho


António Ramos Rosa

7.28.2009

Garfos de fome


Quem fez o amor fê-lo quente como raios de sol
Transpirados de sal e movimentos de mar. Numa espera que dói,
dissipada na névoa das palavras que ficaram entre um eco e uma sombra.

Quem fez o amor sentou-o no silêncio de uma varanda nocturna. Imóvel
Alheada de tudo e despida do tempo.
Onde se bebeu a noite num cigarro lento, partilhado.

Quem fez o amor serviu-o em mesa delicada, coberta de lençóis
Saciados com garfos de prata entrelaçados no aveso da pele.
Num arrepio interminável, agradável ao toque.

Quem fez o amor vestiu-o de beijos e olhares.
De palavras, tantas: ainda por dizer ou inventar
Guardadas, algures, preciosas, entre as memórias e o sonho.

Mas quem fez o amor
também o fez frágil: de porcelana e de lágrimas
por onde escorrega, numa delas, o brilho de todos os sorrisos.

7.27.2009

Ninguém me faz o tempo olhar para trás



Rádio Macau, uma questão


[ Estive tão perto, tentada quase a nunca mais voltar
Só mais um passo, um gesto em falso, um hesitar
Salvou-me a voz, fria, da morte a chamar
Sabes? nunca gostei de andar assim às ordens de ninguém
Ninguém me faz queimar o tempo olhar para trás ]

O destino é...


7.26.2009

7.25.2009

Aqui, agora

Tinha um álbum fotográfico onde moravam apenas uma foto e uma única frase das pessoas de quem gostava muito. Escolhia-as minuciosamente, algumas apenas após muito tempo, para tentarem espelhar, de forma mais fiel, como as via. Captadas na lúcida certeza do preto e branco, guardadas preciosamente, contrastando com o vermelho sangue, da capa rígida oriental que as protegia das suas saudades. Não tinha, por lá, muitas, curiosamente [ainda] nenhuma foto tua. Guardava-a num álbum que fizera apenas teu: nos pensamentos. Nos olhos fechados via-a nítida como a via no escuro, num suspiro adiado, sem ser preciso uma foto ou uma única palavra, para a ver, para a querer. Aqui. Agora.

7.23.2009

Extenso mas perfeito

Quando me perguntarem opinião quanto à política de transportes e obras públicas nacionais, simplesmente remeterei este texto sem qualquer palavra adicional. Obrigado Miguel. Subscrevo na íntegra!


Segunda-feira passada, a meio da tarde, faço a A-6, em direcção a Espanha, na companhia de uma amiga estrangeira; quarta-feira de manhã, refaço o mesmo percurso, em sentido inverso, rumo a Lisboa. Tanto para lá como para cá, é uma auto-estrada luxuosa e fantasma. Em contrapartida, numa breve incursão pela estrada nacional, entre Arraiolos e Borba, vamos encontrar um trânsito cerrado, composto esmagadoramente por camiões de mercadorias espanhóis. Vinda de um país onde as auto-estradas estão sempre cheias, ela está espantada com o que vê:
- É sempre assim, esta auto-estrada?
- Assim, como?
- Deserta, magnífica, sem trânsito?
- É, é sempre assim.
- Todos os dias?
- Todos, menos ao domingo, que sempre tem mais gente.
- Mas, se não há trânsito, porque a fizeram?
- Porque havia dinheiro para gastar dos Fundos Europeus, e porque diziam que o desenvolvimento era isto.
- E têm mais auto-estradas destas?
- Várias e ainda temos outras em construção: só de Lisboa para o Porto, vamos ficar com três. Entre São Paulo e o Rio de Janeiro, por exemplo, não há nenhuma: só uns quilómetros à saída de São Paulo e outros à chegada ao Rio. Nós vamos ter três entre o Porto e Lisboa: é a aposta no automóvel, na poupança de energia, nos acordos de Quioto, etc. - respondi, rindo-me.
- E, já agora, porque é que a auto-estrada está deserta e a estrada nacional está cheia de camiões?
- Porque assim não pagam portagem.
- E porque são quase todos espanhóis?
- Vêm trazer-nos comida.
- Mas vocês não têm agricultura?
- Não: a Europa paga-nos para não ter. E os nossos agricultores dizem que produzir não é rentável.
- Mas para os espanhóis é?
- Pelos vistos...
Ela ficou a pensar um pouco e voltou à carga:
- Mas porque não investem antes no comboio?
- Investimos, mas não resultou.
- Não resultou, como?
- Houve aí uns experts que gastaram uma fortuna a modernizar a linha Lisboa-Porto, com comboios pendulares e tudo, mas não resultou.
- Mas porquê?
- Olha, é assim: a maior parte do tempo, o comboio não "pendula"; e, quando "pendula", enjoa de morte. Não há sinal de telemóvel nem Internet, não há restaurante, há apenas um bar infecto e, de facto, o único sinal de "modernidade" foi proibirem de fumar em qualquer espaço do comboio. Por isso, as pessoas preferem ir de carro e a companhia ferroviária do Estado perde centenas de milhões todos os anos.
- E gastaram nisso uma fortuna?
- Gastámos. E a única coisa que se conseguiu foi tirar 25 minutos às três horas e meia que demorava a viagem há cinquenta anos...
- Estás a brincar comigo!
- Não, estou a falar a sério!
- E o que fizeram a esses incompetentes?
- Nada. Ou melhor, agora vão dar-lhes uma nova oportunidade, que é encherem o país de TGV: Porto-Lisboa, Porto-Vigo, Madrid-Lisboa... e ainda há umas ameaças de fazerem outro no Algarve e outro no Centro.
- Mas que tamanho tem Portugal, de cima a baixo?
- Do ponto mais a norte ao ponto mais a sul, 561 km.
Ela ficou a olhar para mim, sem saber se era para acreditar ou não.
- Mas, ao menos, o TGV vai directo de Lisboa ao Porto?
- Não, pára em várias estações: de cima para baixo e se a memória não me falha, pára em Aveiro, para os compensar por não arrancarmos já com o TGV deles para Salamanca; depois, pára em Coimbra para não ofender o professor Vital Moreira, que é muito importante lá; a seguir, pára numa aldeia chamada Ota, para os compensar por não terem feito lá o novo aeroporto de Lisboa; depois, pára em Alcochete, a sul de Lisboa, onde ficará o futuro aeroporto; e, finalmente, pára em Lisboa, em duas estações.
- Como: então o TGV vem do Norte, ultrapassa Lisboa pelo sul, e depois volta para trás e entra em Lisboa?
- Isso mesmo.
- E como entra em Lisboa?
- Por uma nova ponte que vão fazer.
- Uma ponte ferroviária?
- E rodoviária também: vai trazer mais uns vinte ou trinta mil carros todos os dias para Lisboa.
- Mas isso é o caos, Lisboa já está congestionada de carros!
- Pois é.
- E, então?
- Então, nada. São os especialistas que decidiram assim.
Ela ficou pensativa outra vez. Manifestamente, o assunto estava a fasciná-la.
- E, desculpa lá, esse TGV para Madrid vai ter passageiros? Se a auto-estrada está deserta...
- Não, não vai ter.
- Não vai? Então, vai ser uma ruína!
- Não, é preciso distinguir: para as empresas que o vão construir e para os bancos que o vão capitalizar, vai ser um negócio fantástico! A exploração é que vai ser uma ruína - aliás, já admitida pelo Governo - porque, de facto, nem os especialistas conseguem encontrar passageiros que cheguem para o justificar.
- E quem paga os prejuízos da exploração: as empresas construtoras?
- Naaaão! Quem paga são os contribuintes! Aqui a regra é essa!
- E vocês não despedem o Governo?
- Talvez, mas não serve de muito: quem assinou os acordos para o TGV com Espanha foi a oposição, quando era governo...
- Que país o vosso! Mas qual é o argumento dos governos para fazerem um TGV que já sabem que vai perder dinheiro?
- Dizem que não podemos ficar fora da Rede Europeia de Alta Velocidade.
- O que é isso? Ir em TGV de Lisboa a Helsínquia?
- A Helsínquia, não, porque os países escandinavos não têm TGV.
- Como? Então, os países mais evoluídos da Europa não têm TGV e vocês têm de ter?
- É, dizem que assim entramos mais depressa na modernidade.
Fizemos mais uns quilómetros de deserto rodoviário de luxo, até que ela pareceu lembrar-se de qualquer coisa que tinha ficado para trás:
- E esse novo aeroporto de que falaste, é o quê?
- O novo aeroporto internacional de Lisboa, do lado de lá do rio e a uns 50 quilómetros de Lisboa.
- Mas vocês vão fechar este aeroporto que é um luxo, quase no centro da cidade, e fazer um novo?
- É isso mesmo. Dizem que este está saturado.
- Não me pareceu nada...
- Porque não está: cada vez tem menos voos e só este ano a TAP vai cancelar cerca de 20.000. O que está a crescer são os voos das low-cost, que, aliás, estão a liquidar a TAP.
- Mas, então, porque não fazem como se faz em todo o lado, que é deixar as companhias de linha no aeroporto principal e chutar as low-cost para um pequeno aeroporto de periferia? Não têm nenhum disponível?
- Temos vários. Mas os especialistas dizem que o novo aeroporto vai ser um hub ibérico, fazendo a trasfega de todos os voos da América do Sul para a Europa: um sucesso garantido.
- E tu acreditas nisso?
- Eu acredito em tudo e não acredito em nada. Olha ali ao fundo: sabes o que é aquilo?
- Um lago enorme! Extraordinário!
- Não: é a barragem de Alqueva, a maior da Europa.
- Ena! Deve produzir energia para meio país!
- Praticamente zero.
- A sério? Mas, ao menos, não vos faltará água para beber!
- A água não é potável: já vem contaminada de Espanha.
- Já não sei se estás a gozar comigo ou não, mas, se não serve para beber, serve para regar - ou nem isso?
- Servir, serve, mas vai demorar vinte ou mais anos até instalarem o perímetro de rega, porque, como te disse, aqui acredita-se que a agricultura não tem futuro: antes, porque não havia água; agora, porque há água a mais.
- Estás a dizer-me que fizeram a maior barragem da Europa e não serve para nada?
- Vai servir para regar campos de golfe e urbanizações turísticas, que é o que nós fazemos mais e melhor.
Apesar do sol de frente, impiedoso, ela tirou os óculos escuros e virou-se para me olhar bem de frente:
- Desculpa lá a última pergunta: vocês são doidos ou são ricos?
- Antes, éramos só doidos e fizemos algumas coisas notáveis por esse mundo fora; depois, disseram-nos que afinal éramos ricos e desatámos a fazer todas as asneiras possíveis cá dentro; em breve, voltaremos a ser pobres e enlouqueceremos de vez.
Ela voltou a colocar os óculos de sol e a recostar-se para trás no assento. E suspirou:
- Bem, uma coisa posso dizer: há poucos países tão agradáveis para viajar como Portugal! Olha-me só para esta auto-estrada sem ninguém!


Miguel Sousa Tavares in "Esta noite sonhei com Mário Lino"

7.22.2009

O pecado mora tão perto

Hoje alambazei-me com os melhores scones de Lisboa (primeirissima opção). Conheço outros fantásticos, quase quase tão bons como estes, mas estes são absolutamente, impossivelmente, definitivamente, divinalmente e pecaminosamente imbatíveis. Tenho dito!

7.21.2009

Alice





Alice in Wonderland, by Tim Burton

Eu sei que só estreia em Março de 2010 mas confesso que já estou em pulgas

7.20.2009

Moon Walker


“E depois chegámos à lua só para matar um pouco a poesia”

Pedro Paixão

Apesar do grande passo, quer-me parecer, às vezes, que estragámos tudo!

7.18.2009

Repouso

Um dia poderás chegar, tu que nunca chegas
porque não és um tu
ou porque chegas sempre em não chegares.
Subi um dia por uma escada silenciosa
e em torno era um pomar branco, tranquila maravilha
e eu senti, eu vi, adivinhei
a divindade amada, a soberana e delicada
majestade. Que suavidade de oriente,
que suave esplendor! Era o fulgor de um sono
límpido, entre olhos verdes, entre mãos verdes.
E num repouso de oiro adormecido era quase um rosto
Antiquíssimo e inicial. Contemplava
a quietude de um imenso nenúfar
e a fragância era quase visível como um mar entreaberto.
Era um rio detido ou uma tersa nuca ou um braço estendido
que descansa entre ribeiros primaveris
ou era antes a serena felicidade
e era uma boca da terra que não cantava que não dizia
o silêncio ardente que no peito de espuma cintilava.

António Ramos Rosa

7.17.2009

Taited Love #7



Steve Forney, EUA (??? - ???)


A arte do desenho e da ilustração. Para tantos uma arte menor. Discordo. Condensas a simplicidade em traços encantados. Numa minúcia minimalista. Com alma. Ganhando uma aura subtil. Glamourosa.


O ilustrador freelancer que desenha desde que se lembra. Coisas. Viagens. Lugares. O ilustrador de imagens sonhadas de quem gosto, também, desde que te conheci.

7.16.2009

Mãos (sem título)

Cada vez mais acho que os poemas não deveriam ter títulos que os sustêm, e as tuas mãos não deveriam ser poemas, que agarram, mesmo com asas, mesmo sem estares.

7.15.2009

Apetece-me escrever

Apetece-me escrever. Uma ebulição de coisas soltas que gravitam. Aqui, acolá, vindas não sei se de dentro, se do exterior de mim. Apetece-me escrever mas não consigo. Adio-o. Adiando o inadiável, enquanto um mar de coisas cresce, a bater nas minhas paredes em ondas. Aprisiono-as na memória – uma a uma – olhando-as numa distância calculada, milimetricamente. Mais um passo e partem sem lhes chegar a perceber todo o sentido, a sua ligação. Observo-as. Imagens intensas, desassossegando o silêncio e a pele.

Apetece-me escrever mas não sei como. Escrever como nunca escrevi. Escrever duas histórias entrelaçadas, numa só. Duas histórias talvez ainda sem história. Talvez ainda por descobrir o caminho. Duas histórias procurando-se nas folhas escritas. Escritas de uma forma diferente. Com a voracidade de um incêndio. Escritas do inicio para o fim, do fim para o princípio, para os lados, com muitos parêntesis para recuperar o fôlego, com muitas histórias dentro das próprias histórias. Com frases e imagens recorrentes como um eco ou uma música. Duas histórias a galope. Famintas de encontro. Famintas de tempo. Um tempo cujo pêndulo do relógio se imobilizou, ampliando as coisas e os sentidos.

Apetece-me escrever no meio do mar, nadar para longe, para lá da rebentação. Nadar até me faltarem as forças e ficar por ali, sentindo o cansaço e o ondular do corpo. Aguardando o assentar das coisas, numa aberta de sol que entretanto se fez, curiosa talvez. Pode ser que aí encontre essa escrita. Pode ser que aí me encontres, também. Pode ser que aí te consiga escrever.

7.14.2009

Seda

Não tenhas medo, não te mexas, fica em silêncio, ninguém nos verá.

Fica assim, quero olhar para ti, olhei-te muito mas não eras para mim, agora és para mim, não te aproximes, por favor, fica como estás, temos uma noite para nós e eu quero olhar para ti, nunca te vi assim, o teu corpo para mim, a tua pele, fecha os olhos, e acaricia-te, por favor, não abras os olhos se puderes, e acaricia-te, são tão bonitas as tuas mãos, sonhei com elas tantas vezes, agora quero vê-las, gosto de as ver na tua pele, assim, por favor, continua, não abras os olhos, eu estou aqui, ninguém nos pode ver e eu estou ao pé de ti, acaricia-te […], acaricia o teu sexo, peço-te, devagar, é bonita a tua mão no teu sexo, não pares, eu gosto de olhar para ela e de olhar para ti, […], não abras os olhos, ainda não, não tenhas medo, estou perto de ti, sentes-me? Estou aqui, posso aflorar-te, isto é seda, sentes?, é a seda do meu vestido, não abras os olhos e terás a minha pele, terás os meus lábios, quando te tocar pela primeira vez será com os meus lábios, tu não saberás onde, a determinada altura sentirás o calor dos meus lábios, sobre ti, não podes saber onde se não abrires os olhos, não os abras, sentirás a minha boca onde não sabes, de repente, talvez seja nos teus olhos, apoiarei a minha boca nas pálpebras e nas pestanas, sentirás o calor entrar na tua cabeça, e os meus lábios nos teus olhos, dentro, ou talvez seja no teu sexo, apoiarei os meus lábios, lá em baixo, e descerrá-los-ei descendo pouco a pouco, deixarei que o teu sexo entreabra a minha boca, entrando entre os meus lábios e empurrando a minha língua, a minha saliva descerá ao longo da tua pele até à tua mão, o meu beijo e a tua mão, um dentro do outro, no teu sexo, até que finalmente te beijarei o coração, porque te quero, e com o coração entre os meus lábios tu serás meu, de verdade, com a minha boca no coração tu serás meu, para sempre, se não acreditas em mim abre os olhos […] e olha para mim, sou eu, quem poderá alguma vez apagar este instante que acontece, e este meu corpo sem mais seda, as tuas mãos que lhe tocam, os teus olhos que olham para ele. Os teus dedos no meu sexo, a tua língua nos meus lábios, tu a deslizar debaixo de mim, pegas nas minhas ancas, levantas-me, deixas-me deslizar sobre o teu sexo, devagar, quem poderá apagar isto, tu dentro de mim mexendo-te devagar, as tuas mãos no meu rosto, os teus dedos na minha boca, o prazer dos teus olhos, a tua voz, mexes-te devagar mas até me magoar, o meu prazer, a minha voz, o meu corpo sobre o teu, as tuas costas a levantarem-me, os teus braços a segurarem-me, os golpes dentro de mim, é violência doce, vejo os teus olhos procurarem nos meus, querem saber até onde me podem magoar, até onde quiseres, […], não há fim, não acabará, vês? Ninguém poderá apagar este instante que acontece, para sempre atirarás a cabeça para trás, gritando, para sempre fecharei os olhos arrancando as lágrimas das minhas pestanas, a minha voz dentro da tua, a tua violência a manter-me agarrada, já não há tempo para fugir nem força para resistir, tinha de ser este instante, e este instante é, acredita em mim, […], este instante será, de agora em diante, será, até ao fim […]

Alessandro Baricco


Tudo os surpreendeu: em segredo. Quando sentirem saudade do silêncio, regressarão.

7.13.2009

Silêncios

Hoje, desde que acordei, comovi-me com toda a espécie de repetições. […] Hoje, ao contrário de quase sempre, parece-me que há mais verdade no pessimismo dos velhos do que no optimismo dos adolescentes. Contra isto, acabei de fazer a barba. Não resultou. Utilizei o pincel para espalhar o creme, utilizei uma lâmina de barbear nova, tenho a pele lisa e morna, mas não resultou.

Nunca gostei de dizer “as minhas ex-mulheres” (duas). Não apenas pelo tom de Elizabeth Taylor que essa expressão confere a qualquer frase, mas sobretudo pelo facto das pessoas em questão não serem ex-nada, ambas continuam a ser o que são e, hoje, talvez até sejam bastante mais do que eram perto de mim.

É justo que mude de parágrafo para explicar que, da mesma maneira, não gosto de dizer “as minhas ex-namoradas” (não as contei). Nesse caso creio que a expressão induz um número enganadoramente elevado. […] Foi em Cabo Verde, que aprendi a expressão “mães dos meus filhos”. É a mais correcta. Não apenas porque tem a palavra “mãe”, algo que elas são de forma infinita, mas também porque não nomeia aquilo que são para mim, o que é certo, uma vez que aquilo que são para mim não tem nome, existe no meu interior e, lá, tem todos os nomes impossíveis da gratidão absoluta e do afecto indelével e absoluto.

Mudando outra vez de parágrafo, não tenho nada para chamar às pessoas com quem tive algo, nem sequer palavra para esse “algo”. Aquilo que sei com certeza é que, a haver um ex-qualquer-coisa, esse ex-tudo só posso ser eu. […] Esta enumeração poderia continuar com muita facilidade. É melhor pará-la porque, hoje, as repetições têm-me comovido desde que acordei. […]

Hoje, agora, barba feita e inútil, apenas quero dizer que […] gostava de ter a coragem de ser como aquele escritor americano que há cinco/seis anos conheci em Haia, na Holanda. Desde a hora em que fomos apresentados, ele sentiu uma ternura instantânea e evidente por mim, uma ternura paternal, que aceitei. Era de noite, caminhávamos pelas ruas desertas de Haia, chovia um véu que nos cobria o rosto.

Ele passava dos sessenta anos, eu ainda não tinha trinta, falava dos filhos que eram homens e lhe telefonavam duas ou três vezes por ano, falava-me da solidão. Disse-me que estava sozinho há quase quinze anos. Quando lhe perguntei o motivo pelo qual não procurava companhia, respondeu-me que não queria fazer mal a mais ninguém. Essas palavras ficaram-me, ouço-as muitas vezes.

Nessa noite enquanto passeávamos, o escritor americano tropeçou e caiu com muita violência no chão, as mãos escorregaram-lhe quando ia para amparar a queda. Tentei ajudá-lo a levantar-se, recusou. Perguntei-lhe se devia chamar uma ambulância, recusou. Disse-me que só precisava de ficar deitado durante um instante. E assim foi. Ficou deitado no passeio, de barriga para cima, de olhos fechados, com a chuva a cobri-lo devagar. Eu baixei-me e fiquei ao seu lado. Durante esse instante, no silêncio, dentro da dor, houve paz.

José Luís Peixoto

7.12.2009

Quarto com vista sobre a cidade (adormecida)

"Adormecia na cadeira de palhinha que tomava cada vez mais a forma do seu corpo, curioso como as cadeiras acabam por aceitar-nos, sem protestos, envelhecendo connosco"


António Lobo Antunes

7.11.2009

O teu corpo (num dia perfeito)

O teu corpo é um mar que vai e vem na maré das minhas mãos. É um jardim vivo, encantado, plantado em terra que faz mudar a cor das árvores e dos meus olhos. Por cujos ramos subo, suspenso, a pairar com os sentidos atentos, na frescura da pele, num cheiro de framboesa perfumado em chocolate que desconcentra e embriaga os lábios.

O teu corpo é uma janela rasgada para dentro, onde te sinto, por inteira, numa fala calada e descansam os olhos outrora aflitos. Onde se prolonga o calor de um sorriso infinito num quente frio que se cola à pele agarrado pelas mãos perdidas.

O teu corpo é um acidente iminente, com curvas de rotunda. Elípticas, prolongando o tempo. Deixando um atordoar de luz de lua oscilante que atrai um gato para o meio da estrada, embalado por uma música perfeita.

O teu corpo é uma fita do bonfim quebrada por beijos húmidos. De desejos impossíveis, dos que valem realmente a pena, ofuscando tudo, ao redor, até a vista da cidade adormecida.

O teu corpo é um farol que passou a brilhar nos meus olhos fechados num ponto que baptizaste estrela e que ninguém nos tirará. É um aperto forte que apetece esvaziar sem largar mas sem quebrar. Que apetece morder. O teu corpo és tu comigo num dia perfeito. És tu a viajar em mim. O teu corpo és tu a dormir em mim, algures pelo meu sangue.


Acho o teu corpo assombrosamente perfeito, mas afinal concordo contigo. Mudaria algumas pequenas coisas: juntar-lhe-ia o meu, moldando-se ao teu, na lividez desértica dos silêncios, libertando imagens que quase ferem, por entre suspiros suados e dedos-olhos-lambidos. Levitando num tempo estranho, mais lento e demorado, lembrando que apenas uma parte dos corpos nos pertence, sendo a outra entregue, partindo, numa viagem, algures dentro de mim, dentro de ti.

Enjoy the silence

Interrompo as férias [fulo] apenas para dizer:
Eu sei que é uma das minhas músicas favoritas mas também não era preciso levarem-na tão à letra.

7.06.2009

Layoff

Este espaço vai entrar em Layoff por motivo de férias. Deixa, no entanto, a porta aberta, para se poderem instalar confortavelmente. Sirvam-se à vontade, sintam-se em casa e, já agora, façam o favor de se divertirem. A todos um grande XinXin.

7.05.2009

Appassionata



Beethoven, Sonata Op. 57 (Mov. 1) by Valentina Lisitsa


"Uma criatura completamente indomável"
Johann Goethe


É impressionante como algo tão perfeito como a maioria das obras deste génio podem ter sido escritas já completamente surdo, sem nunca as ter ouvido fora da sua mente brilhante.


De onde nunca parti

Era pátio interior, abandonado. Guardado por quatro paredes e um céu de noite infinita. Esquecido, talvez pelo mundo apressado. Descoberto, ao acaso, há muito tempo atrás. Era um pátio com abóbadas redondas e pilares antigos, de texturas atentas e azulejos coloridos. Um pátio com paredes gastas, cobertas de uma frescura de trepadeira misturadas na velha fonte central. Um pátio nocturno de noites quentes de verão, iluminado a lua e a danças lentas de velas ao vento. Um pátio com pouca gente, comungando em silêncio ao som de trastes de guitarra clássica. Vibrando, nas peles bronzeadas. Arrepiando a alma num gesto inexistente mas presente. Era um pátio de uma tranquilidade impossível. Inatingível. De encher os corpos. De paz. Um pátio que guardo até hoje de uma noite perfeita. Um pátio que creio, nunca ter realmente partido. Que, de quando em vez, me visita a memória para me trazer de volta uns pés descalços e uma relva molhada sob um céu infinito. Estrelado. Era um pátio perfeito. Onde apetece entrar e mergulhar despido, mas nunca, nunca mais partir.

7.04.2009

O que mora por detrás do discurso

Passou a ter um narrador na cabeça, que lhe descrevia o mundo numa voz pausada e vagarosa. Uma voz sedutora e amena que passara a fazer parte de si e o fizera quase renunciar à sua própria. Proferia cada vez menos palavras. Preservava-as na sua essência frágil. Escolhia-as a dedo, delicadamente consciente da sua vida fugaz.

Passou a ser visitado por essa voz que lhe explicava com mais nitidez certos momentos que eternizava como fotos. Esculturas gravadas na pedra da memória que gostava de preservar para sempre. Passara a viver na profundidade dos olhares e no silêncio dos livros. Mergulhado, numa delicada distância oceânica. Vasta mas límpida e cristalina.

Uma pessoa devia poder ser apresentada pela sua biblioteca, pensava [ele que ainda não tinha tido o tempo devido ou o engenho necessário para organizar convenientemente esses pedaços de alma que deixava espalhados ao acaso, por vários lugares]. Poupava-nos tanto tempo sermos vistos apenas assim, sem generalizações ou fáceis clichés, e no fundo, está lá realmente tanto de nós espelhado.

Relia certos livros que lhe passaram pelas mãos talvez cedo demais. Livros que o apaixonaram pelo som e pelo movimento das palavras na língua, mas ainda desprovido do pó da idade. Para lhe poderem assentar, mais fiéis. Um livro relido, com o peso do tempo, nunca é o mesmo. Evolui, como um vinho que precisa de envelhecer para maturar e ganhar corpo.

Cansara-se dum mundo que apenas evoluía cientifica e tecnologicamente, mas que, no fundo, parara no conhecimento do Homem e do sentido da vida. Não se sabe mais agora que um sábio de há vinte mil anos atrás. Via em certos textos milenares mais verdade e conhecimento sobre a profundidade humana que actualmente. Raramente se encontra isso no mundo actual.

Começava a habituar-se a essa voz oculta mas sempre presente dentro de si. Desconhecida e preservada do mundo. Oferecia a algumas pessoas de quem gostava quase dolorosamente alguns dos seus livros predilectos [o melhor que se pode oferecer, estava em crer]. Algumas pessoas que amava continuadamente como um rio, apesar dos percursos sinuosos da vida, mas passara apenas a corresponder-se, com elas, por livros. Livros usados, gastos pelas mãos. Com uma breve dedicatória e muitas anotações em certas passagens.

Esperava poder dizer-lhes, um dia pessoalmente: É a tua cara. É como te sinto e te continuo a ver no pensamento [talvez até com o calor de uma carícia ou um beijo adiado]. Dizia-lhes com a tal voz silênciosa e um olhar despido de tudo, sem barreiras. Dizia-lhes com a tal voz que dispensa todas as palavras.

Assíduos do shaker

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