4.25.2013

A escultura da pele


A mão percorre, de olhos fechados, a escultura de linhas aguçadas. São punhais que afaga, não arte. Desliza lentamente, apertando-a com a força suficiente. Até sangrar, sem que a dor lhe aumente ou transforme a alma. Apenas uma mão cerrada, sem pressa de partir, sem nome, sem lugar. O sangue a escorrer, espesso e delicado, tomando caminhos esquecidos daquela mão imóvel, tingindo o seu calor pela pele. Tudo é possível de sentir com os olhos fechados. Tudo é possível agarrar ao avesso da luz. Tudo. Abertos os olhos a mão volta à rotina. O corpo recupera algo de antigo, amputado por breves momentos. A mesma dor no entanto, incauta, algures pela copa das árvores a acenar ao vento.

4.07.2013

10 new stories, #6 [Tree don't care what the little bird sings]



A mão percorre, de olhos fechados, a escultura ponteaguda. São punhais que afaga, não arte. Desliza lentamente, apertando-a com força, até sangrar, sem que a dor lhe aumente ou diminua a alma. Apenas uma mão cerrada, sem pressa, sem lugar. O sangue a escorrer, espesso e delicado, por detrás das veias, tomando talvez caminhos antigos daquela mão imóvel, tingindo o seu calor no eco do silêncio aprisonado. Tudo é possível de sentir com os olhos fechados. Tudo é possível de agarrar à pele. Tudo. Abertos os olhos a mão volta a ganhar vida e a pálida calidez do corpo recupera algo de antigo. A mesma dor, incauta, imóvel, tatuada algures pela copa das árvores a acenar ao vento.


4.01.2013

Certeza [do que há-de vir]



Resta-me pouco tempo! Pressenti-o ao acordar mas não to revelei. Achei, talvez, que te iria assustar sem aparente razão, que te teria para sempre para to poder contar ou que, ao invés, não me deixarias sair, ou mesmo sem o saberes, pressentirias algo nos meus olhos e me darias um beijo mais longo, um carinho mais demorado. 

Apesar de não ter voltado a esse pensamento, fiquei assim, com essa sensação colada ao corpo, como que com um peso morto sentado ao ombro, acentuando a gravidade num movimento mais arrastado, mais fotográfico para o mundo

Resta-me pouco tempo! Mesmo sem o ouvir sentia-o nas conversas irrelevantes, nos problemas urgentes, nos telefones a tocarem, silenciados pela cadência do sangue, pelo respirar. Talvez porque numa vida nos reste sempre tão pouco tempo, no desfiar dos dias, adiando o essencial sem nos darmos conta, sem o pavor consciente de que pode não haver tempo.

Uma vida é uma só. Irremediável, irrepetível. Sem tempo a perder, apenas o que existe - pegar ou largar. E eu hoje com tão pouco para ficar aqui na conversa com o papel.

Cheguei mais cedo e no percurso agradeci o tempo vivido na plenitude do verbo, o dado e o recebido dos que me são mais queridos, mais meus,  das pequenas coisas efémeras que também compõem tanto uma vida. 

Toquei à campainha só para vires à porta e entre um beijo aluado e um abraço de anémonas lentas pensei para comigo - talvez o tempo não interesse nada!

Assíduos do shaker

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