3.30.2007

Elixir de uvas

Veio à terra em forma de semente para rapidamente germinar em forma de uva. Cedo marcou a sua presença pois, já na videira, se destacava das demais pela perfeição da forma e um brilho magnético que atraía desmesuradamente todas as formas de vida. Insectos, pássaros e até chuva e raios de sol persistiam em tentar acorrer aos seus deliciosos chamamentos. Mas tinha tanto de belo como de resistente e persistia, numa força de vida sobrenatural que brotava da sua existência.

Ao seu lado, mirrava o seu oposto. E quanto mais se olhava para a outra, bela e vigorosa, mais dó nos merecia aquela pobre amostra de vida murcha, encarquilhada e desmaiada, que nem o sol parecia querer tocar. Mas eram ambas irmãs, da mesma seiva nascidas. O que a outra tinha de belo, esta tinha de penoso, o que ela tinha de vida, este parecia acrescentar em definhamento. E quanto mais a primeira crescia e desabrochava, mais a outra parecia encolher-se e desistir. No entanto, persistia, teimosamente, num martírio teimoso.

Foi então que algo de estranho aconteceu. A sua sombria existência abandonara o lar para cair à terra numa lentidão frágil, em câmara lenta, como se o mundo parasse para observar. Ao tocar o solo, fez-se um silêncio ensurdecedor. Não se ouvia vivalma e o mundo aguardava como um animal calado mas inquieto, a antever uma catástrofe. E ali ficou, imóvel ao olhar, mas rolando lentamente, na sua forma amorfa e amassada. Numa agoniante viagem, em que os minutos pareciam horas e estas dias, percorreu a encosta até encontrar a parede do casario.


Continuação em

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