Que dor é esta que não parte? Que não faz sentido mas que aparece do nada e caminha, controlando as distâncias. Cuidadosa. Com pegadas felinas de uma suavidade de vento não soprado. Quase invisível.
Uma dor que nos fala no eco tremido da voz não falada. Que se deposita e movimenta dentro de nós. Deitada, confortável, no fundo do silêncio. Imóvel mas atenta, deslizando esguia pelos cabelos, numa serpente que nos percorre. Tacteando a pele. Colada aos sentidos. Uma dor que não se segue o rasto mas se fez parte de nós. Que veio para ficar.
Que dor é esta que desconhecemos a origem ou intenções? Que não chamamos pelo nome mas que faz sentir a sua carícia, quase bela, numa ironia abjecta. De não ter sido chamada. De nem sequer se fazer notar.
Que nos diz? Que nos quer? Beija-nos os lábios, deixando-os numa dormência impaciente. Calada, num deserto de águas espelhadas. Paradas, agitadas por ténues lágrimas imprecisas. Não derramadas. Trazendo-lhe subtis ondulações circulares, morrendo nas paredes do corpo. Deixando um sal, que não parte. Uma sombra que paira e não faz qualquer sentido. Qualquer ruído. Que se sabe apenas presente. Uma dor ora meiga ora voraz, que nos puxa o lençol e dorme agarrada. Uma dor que parte no acordar dum novo dia mas que sempre volta.
2 comentários:
Escrevi isto há dias, mas faz-me todo o sentido fazê-lo aqui:
"Não escondas, ó homem, teu rosto atrás da aba do teu chapéu. Verte a tua dor em palavras, porque a dor que não se externa grita no íntimo até que o coração desfalece."
Há dores que nos acompanham assim, tal e qual. "Deixando um sal, que não parte". Um dia hão de nos largar. Haja esperança.
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