12.22.2008

O músico que não fazia encores

O músico que não fazia encores só tocava no silêncio total. Ao mínimo ruído simplesmente parava. Mas, na realidade, nunca precisava de o fazer, pois todos se calavam naturalmente para o ouvir tocar. Num espanto imóvel, quase assombroso. Que embevecia os sentidos. Deixando os corpos atónitos. Completamente à deriva, viajando na sua música.

O músico que não fazia encores não permitia palmas a meio da actuação. Apenas no final. Levantava-se. Fazia uma pequena vénia, por boa educação e desaparecia no escuro da sala. Nunca voltava. Houve alturas até, em que o músico que não fazia encores tocava para lá do pano de veludo vermelho espesso, e ninguém o via. Apenas ouvia atentamente. Mas agora não. Agora mostrava-se numa sombra misteriosa reflectida na luz ténue que parecia também reagir às suas notas sublimes.

O músico que não fazia encores arrastava uma legião de fãs e enchia sempre todas as salas. Por maiores que fossem. Onde quer que fossem. Consta que ninguém conheceu ou viu alguma vez o músico que não fazia encores, mas também tal é perfeitamente natural pois às primeiras notas todos fechavam os olhos e ali ficavam como folhas a oscilar ao vento.

O músico que não fazia encores é uma pessoa humilde e reservada. Gosta apenas de apreciar as coisas simples e de as sentir intensamente. Gosta apenas que parem para o escutar. E não aprecia o adiar ou a repetição. O músico que não fazia encores nunca volta. Como tudo aliás, é uma frase usual do músico que não fazia encores.

1 comentário:

najla disse...

Gostava eu por um dia ser "um músico que não fazia encores"....gostava!

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