7.06.2008

Remington

O barulho metálico das teclas ecoava no escuro. Percorrendo o vácuo infinito, prisioneiro da geometria da sala. O ritmo veloz da escrita a galopar. Cascos de sílex. Letra a letra. Num deserto nocturno. Guiado por estrelas ao vento. Fazendo festas nas paredes porosas. Libertando-lhes histórias, ali depositadas. Regressando saciado. Entregando-as ao corpo. À frescura da pele nua num ténue calor. Uma garrafa por companhia. Aberta em tempos que não recordava. Transparente. Ao contrário do que escrevia. O álcool a alastrar, lentamente, nas veias. Suave veneno adormecendo sentidos. Despertando outros, numa espécie de poesia. Num rio que avança violento. Despertando ramos e folhas presas nas margens do ser. A garrafa a descer. O branco da folha a subir. Como que acenando paz daquela guerra. O escuro a apoderar-se de tudo. Contrariado apenas pela fresta de lua, brilhando através do vidro da garrafa. Mostrando criaturas desconhecidas. Habitantes apenas visíveis ao passar pelo vidro. Revelando-se subtilmente. De novo os sons de prata. De beleza ímpar. Invisíveis ao olhar. A garrafa já vazia. Folhas amarrotadas cobrindo o chão. Finalmente o sono percorrendo o rosto com a sua mão fria. Num jogo de sedução adiado ao limite. Adormeceu com o barulho dum beijo no escuro, perto daquela velha máquina que dá pelo nome de escrever.

2 comentários:

Andrómeda disse...

Já lhe disse que tenho montanhas de inveja da forma como escreve? :) Bolas, pá! Caraças, raio do homem! lol
**

Dry-Martini disse...

Obrigado pelo seu exagero imerecido .)

XinXin

Assíduos do shaker

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