1.07.2008

Animais carnívoros

Dava pelo nome muito estrangeiro de Amor, era preciso chamá-lo sem voz - difundia uma colorida multiplicação de mãos, e aparecia depois todo nu escutando-se a si mesmo, e fazia de estátua durante um parque inteiro, de repente voltava-se e acontecera um crime, os jornais diziam, ele vinha em estado completo de fotografia embriagada, descobria-se sangue, a vítima caminhava com uma pêra na mão, a boca estava impressa na doçura intransponível da pêra, e depois já se não sabia o que fazer, ele era belo muito, daquela espécie de beleza repentina e urgente, inspirava a mais terrível acção do louvor, mas vinha comer às nossas mãos, e bastava que tivéssemos muito silêncio para isso, e então os dias cruzavam-se uns pelos outros e no meio habitava uma montanha intensa, e mais tarde às noites trocavam-se e no meio o que existia agora era uma plantação de espelhos, o Amor aparecia e desaparecia em todos eles, e tínhamos de ficar imóveis e sem compreender, porque ele era uma criança assassina e andava pela terra com as suas camisas brancas abertas, as suas camisas negras e vermelhas todas desabotoadas.

Herberto Hélder

2 comentários:

Andrómeda disse...

Não gosto das mãos...
Sabe o que me chateia às vezes neste género de textos? É ter que ler 200 vezes para tentar perceber ... Acho que gosto de coisas imediatas, tipo murro no estômago.

Dry-Martini disse...

Prometo para breve um texto imediato. Mas já não digo o mesmo de murros no estômago. É perigoso por causa das úlceras :) Pode ser?

Assíduos do shaker

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