
É através de ti que os meus rios caminham
como veias
Daquela varanda respiro sempre alguma imagem que me alimenta o sangue e viaja ao mais profundo de mim.
Uma sombra avança lentamente, tapando o verde rochoso da ampla clareira, entre escarpas e penhascos. Um vento levanta-se, suavemente, numa dança celta, em remoinho. Assobiando metais cortantes de batalha. Do alto do castelo, um lago dorme, tranquilo. Água e noite misturados num negro azul. Profundo. Interminável. Da porta da sala, entreaberta, uma lareira reflecte o ouro de um copo de malte ali esquecido. Cá fora, enrrolado numa manta xadrez, sentia algures o cavalo selvagem do tempo recuperando o fólego. Do cume daquela torre a vista alcançava um segredo sagrado sem nunca lhe tocar. Espécie de arrepiu. Esguio. Uma cócega, na Escócia.
Posicionara as molas
Sentado no escuro nada via em redor. Não só pela noite espessa e silenciosa mas sobretudo pela escuridão interior em que se encontrava. Sentia-se como que um prolongamento da noite, simbiose perfeita, sem forças para reagir. Apenas a brisa gelada batendo no rosto e mãos lhe lembravam que ainda ocupava espaço e possuía forma, tal a camuflagem. Como que a desaparecer, diluído no escuro, acendia um fósforo, a custo. Contrariando momentaneamente essa ausência de si. Tornando tudo atento.
Partiste com os pássaros. Inanimada pela roda da indecisão. As tuas asas eram curtas neste mundo apertado que te sufocava e sugava o ar. O teu lugar era uma banheira de mar e espuma de nuvem. Nunca foste verdadeiramente feliz nem de ninguém. Partiste com os pássaros mas ainda visitas, por vezes, certas janelas em dias de chuva.
Curioso sentimento
Que pode uma criatura senão,
Com fúria e raiva acuso o demagogoJoão amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Carlos Drummond de Andrade
Um rumor irrompe das nocturnas
Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
E frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
De mãos dadas com a água
E um anjo de pedra por irmão.
Tinham como toda a gente
O milagre de cada dia
Escorrendo pelos telhados;
E olhos de oiro
Onde ardiam
Os sonhos mais tresmalhados.
Tinham fome e sede como os bichos,
E silêncio
À roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
Um pássaro nascia dos seus dedos
E deslumbrado penetrava nos espaços.
Eugénio de Andrade
It won't do
to dream of caramel,
to think of cinnamon
and long for you.
It won't do
to stir a deep desire,
to fan a hidden fire
that can never burn true.
I know your name,
I know your skin,
I know the way
these things begin;
But I don't know
how I would live with myself,
what I'd forgive of myself
if you don't go.
So goodbye,
sweet appetite,
no single bite
could satisfy...
I know your name,
I know your skin,
I know the way
these things begin;
But I don't know
what I would give of myself,
how I would live with myself
if you don't go.
It won't do
to dream of caramel,
to think of cinnamon
and longfor you.
Suzanne Vega
Pouco se conhece desta história, mas há muito muito tempo, nos primórdios do universo, Sol e Lua viveram uma paixão proibida. Encontravam-se às escondidas, no que foi talvez o primeiro desvio do universo matemático. Todos os astros, estrelas e planetas tinham uma razão puramente racional de existência, milimetricamente traçados pela pena do criador. E só ele sabia seus propósitos inquestionáveis. Mas por razões desconhecidas ou mero acaso cósmico deu-se a imprevisível paixão.
Onde não começa o sopro