Ali estou, alheado de tudo. A olhar para a perfeição de uma amora. Simplicidade delicada, em estado puro, ali deixada - livre, silvestre. Capturada na sua inocência breve e feliz. Rodando na palma da minha mão, balançando, solta, com os meus sentidos. Com ela veio-me à memória uma frase curiosa, daquelas que nos levantam a orelha ou entreabrem um olho adormecido quando passam. Quase despercebidas para depois nos visitarem sem nunca realmente se afastarem - "Por vezes temos de ser mais cão". Parece estúpida ou descabida, mas contem também, tanto do que nos foge pelos dedos como as bolinhas frágeis daquela amora. "Ser mais cão", aproveitar a alegria da brevidade, a perfeição das coisas simples, ficar contente por ver o dono, pela brisa na cara, por passear na rua, por dormir ao relento com o calor do sol. Saborear a longevidade dos breves momentos que perduram na pele. Como aquela obra de arte sem preço ou marcação a balançar na minha mão. "Ser mais cão", lamber as feridas e os dedos doces e voltar a fechar os olhos. Ali.
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