11.07.2009

Carta para Leonor* no dia em que faz anos

Só tem valor o que não se pode comprar. Podem-se comprar pêssegos mas não podemos comprar os pêssegos em flor no campo que floresce. Isto não tem a ver com dinheiro. Pode-se dar dinheiro por coisas que têm valor. Uma fotografia, por exemplo, tem um custo, mas o seu valor está onde ela não está, de mistura com o que nos agarra quando a vemos. É assim também o amor.

É sempre preciso regressar à banalidade das coisas. O espírito é só o contraste que revela. Somos pesados como água e leves como o vento. Não paramos de passar. E o mistério das coisas não está nelas, nem em nós. O mistério existe em tudo. E se quisermos saber tudo ficamos logo cegos. A bondade é o que há de mais belo, Leonor, e não se sabe o que é. É urgente aprenderes a viajar.

E não voltamos nunca. E vamos acabar. O que nos espera não espera por nós. Ficaremos cansados de qualquer maneira, e não há nada a fazer e isso já o sabíamos no começo e no fim não nos podemos queixar. E no entanto vale a pena este lugar, este tempo, esta vida, que é um erro. Vale a pena esperar, não esquecer o que nunca está presente. Vamos indo, aos poucos, a um encontro secreto. Leonor, não tenhas medo.

A maldade turva o olhar, não é o dos outros, mas o nosso. Não é preciso ter em conta as consequências, é no próprio fazer que a culpa se mede. Olha para os teus olhos antes de olhares para os dos outros. O que os teus olhos vêem vem da luz que tens em ti. Foge do escuro, foge. Sobretudo foge das sombras do teu olhar. O mais precioso, por mais ténue, vale mais do que tudo o resto. Todo o tempo é precioso. Dorme menos.

De pouco vale dormir com um homem com quem se dorme. O prazer vem só com o que o acompanha da melhor maneira. De resto está só em passar e não há caixa em que se guarde que depois se possa oferecer. Só o longo trabalho salva. E o amor precisa de mais cuidados do que um jardim. Todos os dias é preciso regar o nosso amor. E podar os ramos mortos. Trabalhemos pois, Leonor, que o amor requer trabalho e o trabalho precisa de amor.

Nunca saberemos o que nos une. Nem o que nos separa. Foi sempre assim. É a simples grandeza que nos distingue. Só nisso somos todos iguais. O homem do lixo vale mais do que eu. A ideia que temos do que somos ou seremos é uma luz incerta e vaga. O mais das vezes enganamo-nos. Mais ainda quando julgamos acertar, felizmente. Temos sempre de recomeçar e é nisso que somos eternos. Louvemos pois o que nos separa e nos une, isso mesmo a que é preciso agradar.

E quando o corpo cansa e a alma entristece não faças caso. De vez em quando o mundo também precisa de descansar. Admira as árvores e as nuvens e a sua indiferença por ti. Não queiras ser o centro de nada. À tua volta descobre o que não és. A frivolidade gasta a alma numa inútil correria. Sê humilde e sensata. Se for preciso torna-te pesada como uma pedra que, embora pisada, não se levanta contra ninguém. E se for preciso sê como o chicote que corta, doce e alegre Leonor.


Pedro Paixão

* e para quem se revir

2 comentários:

continuando assim... disse...

p'assei por aqui ... e estava a pensar que tenho que ir ler ...uma ou duas horas :) tem que ser ! senão não escrevo nada .... e que excelente ideia me deste , há que tempos que não leio nada do pedro paixão ...
vou ler já

taçvez saudades de nove iorque ...

bj
teresa

um perfeito estranho disse...

Tenho saudades de escrever (e receber) uma carta.

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