4.03.2009

Havana Club

Escolhera Havana para recuar 50 anos. Não para rejuvenescer, mas para reconquistar um tempo lento, perdido. Roubado, para sempre, na sôfrega loucura cosmopolita. Um tempo que a todos abandonara com pezinhos de lã. Que subitamente partira das coisas, num passo de mágica. Num golpe perfeito que se recusara a aceitar

Decidira não o suportar mais. Não permitiria esse assalto descarado dos pequenos nadas, dos detalhes luminosos, quase esquecidos. A paz tranquila do matar do tempo, o sabor das coisas simples, as conversas onduladas como amenas marés. De cá para lá, no silêncio da noite mais tranquila e estrelada. Libertando raízes fundas. Semeando âncoras de relações. Sólidas. Vagarosas. Únicas.

Fizera suas algumas rotinas. Poucas, pois nunca fora de tais dádivas da inquietude. Mas acarinhara o caminhar nos densos cheiros e cores musicais. Da praça histórica aos mercados, da praia deserta (descoberta num feliz acaso), ao café central. Ambientes envoltos de um fumo estranho. Fecundo, com danças e sorrisos, desejos e privações. De uma alegria pobre mas calorosa. Quente. Simples. Preenchida.

Nada mais precisava. Ajudava quem podia e desprovia-se lentamente de tudo, à excepção de livros e cadernos de notas que ia buscar religiosamente uma vez por mês, ficando a lê-los e a escrever com mojitos e Partagás, aos finais de tarde na esplanada do Hotel.

De noite ouvia uma música que o alimentava com vozes roucas e trastes de guitarra. Surpreendia-se sempre. Ora com um olhar, ora com um movimento. Ora com uma sensualidade bailarina de vestidos leves e coloridos, oscilando descalços, aos seus olhos atentos.

Uma alucinação crescia pelo seu corpo naquela música espessa, agora entranhada em todo o lado. Nas paredes, na pele, num respirar mais fundo ou nos olhos fechados. No sangue.

Escrevia todos os dias uma carta que nunca enviava, quando chegava ao Hotel. Antes de se deitar, depois de outro puro à varanda, virada para o mar.

Um dia saiu cedo, pagou a conta e nunca mais ninguém o viu. Consta que a última coisa que escrevera terminara com uma frase simples e humilde: “Nunca percas a sabedoria solitária do orvalho

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Assíduos do shaker

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