1.08.2009

Memórias, na terceira pessoa (do singular)

Lembrou-se dos seus olhos. Ondulando por si. Estudando-o, à meia luz. Os seus olhos no corpo imóvel. Num despido deitado. Num sépia sedoso. Só os seus olhos, percorrendo-o. Nada mais.

Lembrou-se, também, de algumas das suas expressões. Achava curioso, como por vezes lhe fugia o seu rosto, mas estavam sempre presentes certas expressões. As mais subtis: desde um franzir de testa, delicioso, a uma dança exótica de mãos arabescas. Tatuadas de passado. A covinha do sorriso, onde gostava de ficar calado. No silencio, a contempla-la. Na curva ergonómica do sorriso. Nesse vale perfeito que descobrira, ao acaso, e fizera seu abrigo.

Lembrou-se do seu perfil a conduzir por entre a vasta paisagem diluida com o horizonte. A olhar a estrada de frente. A percorre-la com uma música que não cantava por pudor. Mas que se lhe escapava num ténue sussurro, pelos lábios entreabertos.

Lembrou-se do seu desenho esguio, como um lento acompanhar de pincel. Suave. Deslizando, do queixo para o pescoço. Do pescoço para o peito. Como uma gota. Engrossando aos poucos. Para logo evaporar dentro de si. Guardada algures. Preciosa.

Por mais tempo que passasse sempre guardaria essas imagens. E a do quadro, que lhe contara. Guardadas numas gramas que dizem levarmos comnosco. De peso incerto. Ora leves ora pesadas. Algures. Largadas ao vento. Algures. Espalhadas dentro de si.


Adaptação de um texto antigo. Guardado algures. Algures, na primeira pessoa (do plural).

2 comentários:

(in)confessada disse...

a saudade é tramada..

Dry-Martini disse...

In

Confesso-te que apesar de Cabo Verde ter paisagens lindas não era sobre Cesária Évora .)

XinXin (com um bocadinho de saudades confessas) .P

Assíduos do shaker

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