7.01.2008

A planície do esquecimento

Lembro-me menos de mim antes de ti. Mas também lembro o que não existiria se não houvesse um nós.


Esquece-me. Dissera-lhe. Carinhosamente, sabia-o. Pois não lho dissera nos olhos e as palavras têm essa faceta escorregadia – a de poderem tornar a mais desnudada e polida das estátuas numa pedra áspera, seca – quando desprovidas dum olhar. Esquece-me. É melhor para ambos. Como se houvesse bem ou mal nesses estranhos acasos. Como se fosse possível esquecer o som do mar. Um cheiro. Uma expressão que assentou no respirar. Que lhe pedia? Que apagasse parte de si? Que se partisse em menos um pedaço? Que escurecesse um recanto íntimo? Que secasse aquele fruto sumarento? Que lhe pedia? Como se fosse possível separar uma imagem dum livro que se conhece de cor. Que se percorreu vezes sem conta. Tocando-o com a mão. Na textura tépida do papel. Sabia partir como as aves. Separar momentos e lugares das vontades mais vorazes. Mais demoníacas. Por mais que custassem. Por mais que doessem ao ouvido. Sabia até abdicar do todo para manter parte. Ínfima que fosse. Por mais que gostasse há coisas que não conseguia fazer. Que não lho podiam pedir. Era esse o seu estranho dom. O de perder tudo menos a memória. Tudo menos o esquecimento.

1 comentário:

Andrómeda disse...

Gostei muito deste texto :) Especialmente da frase inicial. Muito bonito.

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