7.25.2008

Doença

Ouvia os ponteiros de Kronos há muito. Matemáticos, como um bater de asas, aos ouvidos. E os longos véus da doença e da desgraça, sacerdotisas do mal, acenando-lhe. Pairando-lhe à vista como leques lentos. Era-lhes, no entanto, completamente indiferente, enfrentando-os sem temor. Sem expressão. Como quem passa por uma fera assustadora, não lhe mostrando a mínima fraqueza. Com a certeza, porém, de que nunca lhes poderia ganhar. Era apenas um adiar duma viagem, que sabia já marcada.

E assim se passaram alguns anos. Naquela ambígua cumplicidade de vivência distante e, no entanto, tão próxima. Até que, numa manhã de inverno, o cansaço estendeu-se-lhe como uma massa fina. Aos poucos, sem se aperceber. Em camadas quase transparentes, inotáveis. Dia a dia. Com a lentidão veloz dum cancro fatal. Ramificando tudo em redor com a sua farinha seca e sem cor. Pó indiferenciado. Cinza, onde nada mais se edifica ou constrói.

Dos campos outrora verdes tudo sufocara num amarelo desértico. Calado, pelos ainda segundos metálicos, mais ténues, como um eco a esvair-se. Eis que o corpo já não obedece à vontade e parece distante. Uma leveza sublime disperta. Como que um papel queimado que se levanta no ar. Algo paira envolto nos ditos véus que se misturam num todo e levitam.


Em memória de alguem que já partiu e sempre me faz falta.

1 comentário:

Eyes wide open disse...

A efémera leveza do ser...


*

Assíduos do shaker

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