12.13.2006

Confissão

Aqui diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
Nesta deriva em que vou.

Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,

E dos pecados mortais,
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.

Me confesso
O dono das minhas horas
O das facadas cegas e raivosas,
E o das ternuras lúcidas e mansas.

E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser um monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!


Miguel Torga

2 comentários:

Anónimo disse...

Conheço e gosto, mto, de Miguel Torga.Conhço alguma da sua prosa.
Esta em forma de poema é linda.Boa escolha.

Anónimo disse...

Este poema é magnífico.

Andrómeda

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