11.15.2012

Devagar


Desaparecido algures, num local perdido, abandonado do tempo e do mapa, na companhia de livros e um bom vinho para contemplar céu e interior. Algures, devagar.


11.07.2012

11.02.2012

Words like violence


Hoje as palavras não chegaram a ver o sol. Ameaçaram simplesmente, sucumbindo de imediato como neve sensível ao calor do papel. Palpitavam, soltas, na simplicidade universal do inglês, deixando pequenos rastos duma dança. Pegadas, aqui ou acolá. Nada de muito firme ou fácil de seguir, apenas frágeis fragmentos, intermitências que se sentem na pele. Hoje as palavras não deram as mãos, não voaram nem ficaram a assobiar pelo corpo. Tão somente cresceram como árvores caladas para o mundo, despidas de folhas e frutos. Soltando apenas, por descuido ou malvadez, uma espécie de grito extenso que espanta os pássaros, única prova da sua existência. Hoje as palavras morreram baixinho, longe da boca, ao relento do coração.


10.24.2012

Devagar



O poder das imagens e do silêncio sempre me hão-de surpreender. Puxam-nos, o olhar para fora de pé, e por vezes, sem que nos apercebamos ficam presos à roupa num alfinete invisível. Palpitam-nos por detrás das pálpebras, num sonho ou num gesto que nos lembra algo que ainda não vivemos mas que sabemos nosso, algures ou adiante, sentindo-o a puxar uma malha e a tilintar uma história ao cair no chão. Chegam a ter banda sonora: dum nocturno de Chopin a uma PJ Harvey a arranhar a sua voz numa guitarra, segundos infinitos, ao encontro de uma lua qualquer. Hoje acordei com uma buganvilia invisível, enrolada e pedalei, devagar. 

10.13.2012

Vida[s]

O que é afinal a vida? O que é? O que foi? O que será ou pode vir a ser? Numa vida há muitas vidas, próprias, alheias, presentes, passadas e futuras. Numa vida há muitos estados, estágios, coisas importantes e pequenas coisas que pareciam insignificantes na altura e que no entanto ficam presentes por toda uma vida. Uma pedra no meio de um bosque distante onde nos sentámos um dia e nunca mais regressámos a um pensamento que foi só nosso, um sorriso, uma noite límpida, um livro devorado pela noite dentro, um dia de sol. Um poema amarrotado, uma garrafa partilhada na companhia de amigos. Um beijo roubado, uma carícia. Um abraço apertado, uma vitória suada, uma corrida terminada. Um desgosto de amor. Um observar o mundo que nos rodeia, um grito do Ipiranga, uma noite ao relento com céu estrelado. Fotografias gravadas na memória. Um livro escolhido a dedo, dedicado. Uma refeição cozinhada com carinho. Uma piada inteligente recebida ao acaso. O amor de uma mãe. O entregar do coração, do corpo, do mais fundo que existe em nós. O adormecer de um filho que se observa horas a fio. O viajar porque é preciso, o regressar porque te amo. O partir de um vidro com a mão. A dor que se guarda sem transparecer. A surpresa, a descoberta. As saudades de quem partiu. Os lugares secretos onde se gosta de regressar de quando em vez. As cartas escritas deixadas na gaveta. O cão, o gato. Uma frase lida que se sente nossa. A exposição que nos deixa imóveis. Os arrepios. O mar que nos ondula, a chuva na pele. O começar de novo. O que não se esquece. O momento irrepetível, o déjà vu. O mistério da própria vida, o deserto, a multidão. Uma casa de pedra com uma árvore no telhado. O caminho sinuoso, o guiar de noite. O velho blusão de pele, a T-shirt branca. Uma música nova que mexe comnosco. Um piano afinado a ecoar pela sala. A 7ª Sinfonia do Beethoven a estremecer. O cálice meio cheio e o outro meio vazio. A esperança roubada. A vontade de tentar de novo. Os teus pés frios a procurar os meus. O barulho da fogueira ateada. O movimento de uma anémona no aquário azul de perder de vista. O balão de ar quente a levitar do mundo. As rugas que sempre hão de contar uma história. As minhas mãos nas tuas, o teu pescoço. Um nome antigo, que já não existe. A sonoridade de certas palavras. O dois cavalos amarelo com a capota aberta e a areia da praia espalhada pelo tapete. Um cigarro no pátio das buganvilias. O pássaro que vinha de noite bater à janela. O colega da primária que morreu de overdose muitos anos depois de o saber. Um olhar em silêncio, meros segundos tornados horas. Os dedos minúsculos apertados no nosso dedo. O teu respirar. O sabor das cerejas, as castanhas quentes a queimar as mãos. O ovo estrelado às altas horas da noite e os ovos mexidos ao pequeno almoço. O dormir todo nu. O adormecer exausto, o acordar dum novo dia. O meu irmão miúdo a correr do enxame de vespas depois ao ir buscar a bola. O carro velho coberto de figos maduros atirados de cima da árvore. Os passeios infindáveis com o Avô. A palavra sincera mas mal medida. A crítica construtiva. O pensamento livre. O que é a vida afinal? Há muitas vidas dentro de uma vida. O que será que está ainda por vir?

* Pela primeira vez sem imagens por ter tantas [mais as que aqui não estão]   

10.04.2012

Whish[list]


Queria uma "pão de forma" assim, velhinha velhinha, para pintar de azul do céu e correr mundo.

Black cat


Há dias que nos desiludem. Deixam-nos estranhos, ao abandono do corpo que não sentimos mais nosso. Ali, de dedos cortados rentes para o mundo. E uma espécie de bando de pássaros negros, teimando em nos asfixiar de qualquer poema, de qualquer melodia, num frenesim indecifrável. Há dias que nos desiludem. Que puxam o som para baixo de água, entregando aos lábios um eco vasto, vazio. Deixando nos rostos uma nitidez mais pálida, lenta, quase fotográfica. Ali, diante dos olhos calados na sombra, observando o corpo de fora, como um fantasma que já partiu. Algures, distantes, como uma doença que não se sabe ter mas ficou.

9.18.2012

Closer [than this]


The XX, Chained

Red house [over the sea]


There was a time when our eyes followed the autumn leaves dancing in circles. A time stretched to the limits, until it sounds like snow hitting the roof of our thoughts. Waiking whispers and old stories. Lazing the skin, flying with the birds. A time of deserts and a red house, lost over the sea. There was a time that does not seem to return. A time with blankets in nowhere. Mixing the warm of blood in the cold of the nigh. A time of a child holding hands with a missing grandfather. A time with many colors, many smells and dreams. There was a time we must keep closer, hard in our heart. A time to come back sometimes, a time to never forget.   

9.16.2012

Paradise


I have always imagined that paradise will be kind of a library


Jorges Luis Borges 

9.14.2012

Shameless


Depois de ter ficado completamente agarrado às 5 temporadas seguidas disto, eis que surge finalmente um novo vício.

9.12.2012

Pedro e o Lobo



Certo dia, Pedro [apenas assim, Pedro, sem "passo doble" ou "el conejo" pois esse também já emigrou do país] talvez aborrecido por estar sozinho em Massamá, ainda sem facebook e sem doce ou enfermeira para ouvir a sua cândida voz de menino de coro decidiu improvisar uma brincadeira antes de ir ouvir o "Carv#!@lho" à volta da fogueira ao Tivoli e aclamou, repetidas vezes a retoma do lobo que não havia meio de vir, rindo-se como um perdido, dos Fazendeiros [já sem Range Rovers nem tractores] que se sentiam revoltados e enganados [sobretudo pelo Paulo não lhe ter cantado o "e depois do adeus"]. Nisto já quase descabelado de tanto rir, eis que embala em timbre de "três tenores" [em alemão Troika]  não para a aparição de Fátima [pois uma retoma nunca deve ser um acto de fé] mas para o tal lobo, desta vez aparentemente bem avistado lá para os lados de 2011 Odisseia no Espaço [mas com mais 10 anos de folga] que lhe começa a matar a ovelha Cristas, o pastel de nata Álvaro, e até o bichinho Gaspar, gritando aflito para todos: - Mas porque é que ninguém me ajuda? Agora fiquei sem bicharada... Quando, eis que das Relvas insurge ao discurso um eco Maçon "esta história não acaba assim" falta o moral da história: Nunca se deve enganar "os outros" apenas o mexilhão, Oh Pedro... Estudasses...



9.08.2012

These roads


Há dias em que não se escreve por desejo ou o que se quer, mas simplesmente o que a escrita nos exige. Sussura-nos algo ouvido, que vai crescendo ou desenha-nos imagens intermintentes, que vão e vêm, ganhando forma e nitidez, entrelaçando-se à mão como trepadeiras. Às vezes são pequenas frases, aparentemente sem sentido, ou palavras soltas que nos vão arranhando as pernas ou seguindo no caminho ao longo de vários dias, para, a certa altura, nos especarem diante de nós, à espera de um afago ou reação. A escrita chega mesmo a soltar-nos os cães. E nós ali, derrubados no chão, impotentes a sentir-lhe os dentes afiados ou as lambidelas ásperas na face. Há dias em que nada se tem para dizer e no entanto há algo que nos empurra, que nos embala. Algures, por essas estradas.

What does that mean?


Sarah Jaffe, Swelling


9.07.2012

Heartbeat


Há um tempo em que tudo se cala e se ouve o coração. Escuta-se, ali, a palpitar no lugar onde sempre esteve. Tão nosso, tão presente e no entanto tantas vezes amordaçado ao vazio do corpo, escondido, longe, dos olhos, longe do pousar da mão. Um tempo em que o seu ritmo abafa os relógios e o cantar dos pássaros nos beirais. Um tempo que nos resgata do mundo e faz mergulhar dentro de nós, no pulsar do sangue, na respiração. Um tempo que nos conta histórias e nos faz viajar. Um tempo que nos trás e nos rouba. Ali, no palpitar da vida que fomos. Na vida que nos resta.    

9.04.2012

A tua pele


Abel Korzeniowski, Clouds



Levitar e cair, numa gota de chuva, sem fundo, sem tempo, sem barreiras.
Engrossando numa viagem de sentidos. De olhos fechados e mãos abertas.
Até alcançar, por fim, a tua pele.

8.29.2012

8.26.2012

Words



[ ... Walk with her
Beneath the tree tops
Create new paths and memories
Show her, how the sunlight
Glances through the gaps between the leaves
Words, help her change the world
In only one verse
Tell her to reach for the stars
And to always put love first ... ]

Ane Brun, Words

8.23.2012

ou como diria um velho amigo...


A sombra das palavras [que caem como gelo]



Pega a caneta e escreve. Derrama com ela o teu sangue - negro, espesso, denso - alastrando a tua sombra ou os teus raios de sol, pedaços da voz que te sussurra ao ouvido quando todos dormem. Impregnando o teu cheiro, o teu grito, a tua cor. Pouco a pouco, no silêncio branco da folha despida. Escreve-te nela, deixando-te embalar como uma viagem inacabada. Sem principio nem fim, apenas caminho, curvas. Sem medos, sem reservas, sem antes nem depois, sem enganos, sem aparências, sem rodeios. Como um deslizar de iceberg sem pressa, sabendo-se corroído aos poucos pelo tempo até se derreter um dia na imensidão do mar. Ora revolto na rapidez de um arrepio, ora  deambulando algures no reflexo de uma palavra. Não conquistarás o mundo. Não esperarás nada de volta. Não conhecerás todos os lugares nem falarás todas as línguas. Não ficarás para contar. Libertarás apenas, talvez um pouco desse questionar das coisas, quando lhes batemos sem querer. Aparentemente óbvias ou menores, descobrindo-lhes encantos perdidos, esquecidos a alguns olhos moldados por demasiadas certezas. Pega na caneta e escreve. O que te apeteça, o que ela te exija.


8.13.2012

Azul


Enche-me assim, do teu azul feito de água, não do céu. O céu é demasiado distante e os teus olhos cruzam-se no meu horizonte, tingindo-me por dentro como peixes vivos. Azul, onde flutuo despida de tudo e me deixo embalar no tempo de um suster de respiração. Neste teu beijo demorado, salgado de imagens, que guardo na pele e me devolves nessa tua maré. Azul, simples mas intenso azul. Feito de água, não do céu.

8.08.2012

Ten new stories #5 [To Let myself go]


Ane Brun, To let myself go


A guitarra a arrastar o arranhar metálico de umas notas mais demoradas. Teimosas em se esconder no silêncio, quase esquecidas deste tempo, coladas, junto ao pensamento. E eu com elas a viajar, e eu com elas a fazer anzóis dos cabelos. "To let myself go... To let myself flow... is the only way of being".

7.31.2012

Há dentro de nós um poço


Há dentro de nós um poço. No fundo dele é que estamos, porque está o que é mais nós, o que nos individualiza, a fonte do que nos enriquece no em que somos humanos. E a vida exterior, o assalto do que nos rodeia, o que visa é esse íntimo de nós para o ocupar, o preencher, o esvaziar do que nos pertence e nos faz ser homens. Jamais como hoje esse assalto foi tão violento, jamais como hoje fomos invadidos do que não é nós. É lá nesse fundo que se gera a espiritualidade, a gravidade do sermos, o encantamento da arte. E a nossa luta é terrível, para nos defendermos no último recesso da nossa intimidade. Porque tudo nos expulsa de lá Quando essa intimidade for preenchida pelo exterior, quando a materialidade se nos for depositando dentro, o homem definitivamente terá em nós morrido. Já há exemplos disso. Um dos mais perfeitos chama-se robot. É invencível pensarmos o que será o homem amanhã. E nenhuma outra imagem se nos impõe com mais força. Mas o que desse visionar mais nos enriquece a alma é que o homem então será possivelmente feliz. Porque ser homem não é ter felicidade mas apenas ser humano. Não há grandeza nenhuma feliz e é decerto por isso que se diz que os felizes não têm história. A única felicidade compatível com a grandeza é a que já não tem esse nome, mesmo que o tenha. Chamemos-lhe apenas compreensão ou aceitação.

Virgílio Ferreira

7.20.2012

Serviço Nacional de Saúde


Alguém me consegue dizer porque raio o blog está a arfar?
A gerência agradece e paga as taxas moderadoras.
XinXin

7.18.2012

De este cuerpecito mío... que se ha convertío en río

Writen in my blood


Não escrevo há muito tempo, e no entanto a escrita permanece-me, constante. Destapa os ouvidos ao calar da noite, e ali fica como um búzio alado, soprando na cara baixinho, lambendo as feridas ou puxando a mão para um campo de searas, onde passeiam ao vento imagens, frases, sons. Mesmo sem caneta ou aparente alento ei-la ali, especada, como um cão fiel ao seu dono, olhando-o imóvel, à espera de um assobio ou afago. 

Não escrevo há tanto tempo, talvez por respeito a esse pesar ou chamamento, a essa maré que sempre me regressa e me busca, ora desenrolando novelos indeléveis e quase indecifráveis, ora atirando pedras que estilhaçam abruptas nas janelas e ecoam por muito tempo. 

Não escrevo há tão pouco tempo e no entanto parece tanto... Quando assim acontece é como acordar de um sono que nunca se chegou verdadeiramente a dormir ou a recordar ofegante uma vida que não se chegou verdadeiramente a correr, como quem recebe uma estranha parte de nós que esteve ausente por parte incerta mas sempre nos pertenceu e sempre nos pertencerá.

6.26.2012

Doze moradas do silêncio


Envolver-me 
na mais obscura solidão das searas e gemer 
Amassar com os dentes uma morte íntima 
Durante a sonolência balbuciante das papoulas 
Prolongar a vida deste verão até ao mais próximo verão 
para que os corpos tenham tempo de amadurecer 

...colher em tuas coxas o sumo espesso 
e no calor molhado da noite seduzir as luas 
o riso dos jovens pastores desprevenidos...as bocas 
do gado triturando o restolho....as correrias inesperadas 
das aves rasteiras 

....e crescerei das fecundas terras ou da morte 
que sufoca o cio da boca..... 
....subirei com a fala ao cimo do teu corpo ausente 
trasmitir-lhe-ei o opiáceo amor das estações quentes. 



Al Berto

6.19.2012

Silêncio vendado


Vendada mordes o silencio da cal
e habitas macia 
nesse suspiro molhado
libertado sem tempo ou lugar
Deserto indolente
Aceso, ao sussurrar dos dedos



6.18.2012

Poema à mãe




No mais fundi de ti, 
eu sei que traí, mãe
Tudo porque já não sou 
o retrato adormecido 
no fundo dos teus olhos. 

Tudo porque tu ignoras 
que há leitos onde o frio não se demora 
e noites rumorosas de águas matinais. 

Por isso, às vezes, as palavras que te digo 
são duras, mãe, 
e o nosso amor é infeliz. 

Tudo porque perdi as rosas brancas 
que apertava junto ao coração 
no retrato da moldura. 

Se soubesses como ainda amo as rosas, 
talvez não enchesses as horas de pesadelos. 

Mas tu esqueceste muita coisa; 
esqueceste que as minhas pernas cresceram, 
que todo o meu corpo cresceu, 
e até o meu coração 
ficou enorme, mãe! 

Olha — queres ouvir-me? — 
às vezes ainda sou o menino 
que adormeceu nos teus olhos; 

ainda aperto contra o coração 
rosas tão brancas 
como as que tens na moldura; 

ainda oiço a tua voz: 
          Era uma vez uma princesa 
          no meio de um laranjal...
 

Mas — tu sabes — a noite é enorme, 
e todo o meu corpo cresceu. 
Eu saí da moldura, 
dei às aves os meus olhos a beber, 

Não me esqueci de nada, mãe. 
Guardo a tua voz dentro de mim. 
E deixo-te as rosas. 

Boa noite. Eu vou com as aves. 



Eugénio de Andrade

6.12.2012

Check please...



Reunião mensal de vendas. Agenda previa objectiva. Estratégias para alavancar vendas e resultados. Apresentações individuais de 7 minutos/máximo por pessoa. Muitos powerpoints, gráficos, tabelas, números e frases feitas. Posturas tensas. Semblantes e... um pedido para aumentar o som...  Simples! 

6.09.2012

On the rocks


Não tenho nada para dizer. Nada que valha a pena ou o esforço. Nada. Limito-me a folhear desprendidamente um livro de fotografias a preto e branco, perdido há semanas, abandonado, algures pelo chão. Curioso, como a nitidez ecoa pela sala sem usar uma única frase, despida de qualquer palavra. Apenas o barulho do gelo a quebrar no copo de cocktail. Também não me apetece falar da bebida. Há dias assim, em que se dispensa a fala e se desliga do mundo. E as imagens a olharem-me atentas, algumas quase aflitas - a exigirem um toque, uma memória, uma atenção. Numa imagem vivem muitas histórias, muitas músicas, muitas pessoas e sempre têm algo a dizer. Algo que se esqueceu ou que nunca se ouviu. Algo que valha a pena. 

6.02.2012

Misturo-me [no teu calor]


Misturo-me no teu calor e na tua pele dissipo a lisura das mãos. Navegam por ti, soltas, brancas, antigas. Como que polidas pelo mar. A tua beleza fere como a manhã mais luminosa, ali adormecida, ondulando em mim. Flutua comigo, no sangue, na respiração. E por ali fico a noite toda, abraçado a ti, encaixado nesse silêncio cúmplice, náufrago desse teu calor. Nessa dança aluada, nessa cantiga, preso ao cheiro dos teus cabelos.
Misturo-me no teu calor, abrigado da chuva na curva das tuas pálpebras fechadas que me fazem ver a simplicidade na imensidão. 

5.27.2012

"Não" e o mundo ao contrário


Um menino sem abrigo, na rua e a minha filha a perguntar-me:
- Mãe, vamos levá-lo para casa?
E eu a dizer que não, que não é boa ideia, que ele não pode ir, porque tem uma família, uma casa. Porque não... E ela a insistir:
- Não vês que não faz sentido! Cabe lá em casa, no meu quarto, arranjamos espaço.
E eu a dizer que não. E aos poucos a aperceber-me da injustiça, das falsas desculpas, da contradição, das diferentes visões do mundo. Mundos diferentes. Estudamos muitos de nós, em média, mais de 10 anos para afinal nada saber, para questionarmos coisas tão óbvias, tão simples aos olhos de uma criança. 
Abracei a minha filha e tive vergonha de mim.


Ligeiramente ficcionado de uma entrevista a uma realizadora brasileira   
que infelizmente não consegui saber o nome

5.21.2012

Orange


Este estranho desencontro de ter o corpo num lugar e a alma em outro


Rosa Lobato Faria

5.20.2012

Your mouth


Your mouth will be always 
where my voice fall a sleep
to stretch the sin   
with a wisper

5.17.2012

Presídio


Nem todo o corpo é carne... Não, nem todo 
Que dizer do pescoço, às vezes mármore, 
às vezes linho, lago, tronco de árvore, 
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco...? 

E o ventre, inconsistente como o lodo?... 
E o morno gradeamento dos teus braços? 
Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne: 
é também água, terra, vento, fogo... 

É sobretudo sombra à despedida; 
onda de pedra em cada reencontro; 
no parque da memória o fugidio 

vulto da Primavera em pleno Outono... 
Nem só de carne é feito este presídio, 
pois no teu corpo existe o mundo todo! 





David Mourão Ferreira

Assíduos do shaker

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