4.30.2009
Uma janela
Why?
My advertisings #23
4.29.2009
Sementes de pérolas caídas
O texto que tomei para mim
Tomei um texto para mim. Queria-o tanto, meu, que mesmo sabendo-o de alguém, que não eu, não quis saber. Tomei-o para mim sem pedir licença. Guardei-o, como se guarda um bem frágil. Precioso. Uma anémona, liberta, no meu oceâno. O texto que tomei para mim.
Percorri-lhe cada frase, vezes sem conta. Na claridade e no escuro. Lentamente, refiz da escrita os teus gestos. A tua imagem, apagada. Senti, com as mãos, a textura de cada palavra. Como uma cicatriz antiga, lembrada delicadamente. A cada pausa, o teu respirar. Próximo. Presente.
Era um texto pequeno. Simples, mas infinito. O texto que tomei para mim. O texto que passou a viajar e a dormir comigo. Que diluí na pele. Que passei a saber de cor. Tudo isso mora nesse texto. O texto que quiz só meu, O texto que tomei para mim.
4.28.2009
Descansar...
Tainted Love #6
4.27.2009
Cafuné
Devagar
Há frases que nos visitam sem bater à porta. Entram, como uma corrente de ar. Sem convite ou pré-aviso e instalam-se confortáveis. Como se nos conhecessem desde sempre. Como se tivéssemos de as conhecer também. Como se conhecem de cor os cantos à casa. Sem pressa de se revelarem, ficando por ali a remoer. A libertar a ferrugem do seu sentido, tantas vezes não directo ou imediato. Dormem connosco. Agarradas ou suspensas. Sussurram-nos, por baixo da pele, ao longo do dia. Nos momentos e lugares mais imprevisíveis.
Há frases que permanecem muito tempo. Tempo demais. E num dia, quando já nos habituámos a elas, quando parece que já fazem parte de nós, eis que se revelam em pleno, numa espécie de luz de final de tarde. Esgotando-se, breves, numa paz sublime, numa beleza difícil de igualar. Nessa altura, partem como entraram. Desprendidas. Com pés descalços. Sem um beijo de despedida ou palavra a acrescentar. Com uma mão quente, esguia, que se liberta da nossa. Devagar.
4.26.2009
O peso da tua sombra
O peso da tua sombra, leve, no meu corpo. Uma nuvem escura, trazida por um vento do sul. Quase a diluir-se em chuva, sobre mim. Adiando o seu toque. O seu cair. Simplesmente pairando. Apagando a luz. Tacteando o peito com uma brisa de mãos frias. Lentas. Segredando pós de vidro magnéticos aos ouvido. Cor de lua.
O peso da tua sombra, leve, no meu corpo. Algures escondida mas sentindo-te por inteiro. A tua presença esguia percorrendo-me como um véu invisível. Despertando a pele num arrepio. Encostando-se a medo. Inquieta. À distância de segurança. Pronta a partir.
O peso da tua sombra, leve, no meu corpo. Uma sombra escura como os teus olhos, vendados nos meus.
4.25.2009
Shop Shop
O dia da liberdade
"Ninguém é mais escravo do que aquele que se julga livre sem o ser"
Johann Goethe
O dia da liberdade é apenas uma memória. Dum dia dos melhores propósitos sem conseguir objectivar os fins. De Homens destemidos e de gratidão infinita. Pintada a céu azul e raios de sol.
O dia da liberdade é apenas uma frase bonita. Evocada nos livros e discursos pomposos, mas pouco sentida como se quis. Sem conteúdo para os mais jovens. Um rio que secou. Que não corre para os outros dias. Um balão preso a um corpo amorfo com uma mão pesada, que não o deixa subir. Cerrada, mas com dedos de individualismo, egoísmo, comodismo, facilitismo e falta de civismo.
O dia da liberdade é um falhanço. Uma vergonha aos Homens bons. Às próximas gerações. Uma vergonha da tal memória imaculada. A que muitos sofreram na pele. A que muitos se entregaram de corpo e alma. A que tantos já nem conhecem ou nada diz.
O dia da liberdade é um dia distante. O dia da liberdade está a morrer.
4.24.2009
Velório
Animais
4.23.2009
Gravatas tristes (3rd act)
4.22.2009
Necessidade
Necessidade de sol. Vastidão de paisagem. Chás no deserto. De céu e de chão.
Necessidade de livros. Muitos. Sorvidos como alimento. Como o último ou o primeiro.
Necessidade de noites longas. De fogueiras. Estrelas e lua. Uivos distantes e silêncios sonoros.
Necessidade de quilómetros. De distância. Estradas perdidas por descobrir.
Necessidade de Sul. De Oriente. De encontros, sem haver ninguém.
Necessidade de tatuar invisibilidades. Ao contrário. Por dentro da pele.
Necessidade de adormecer ao relento. De afastar visitantes no vento quente do Suez.
2me
U2, Walk On
With no words... With all words
4.21.2009
Radiografia
Existe mais ADN em certos parágrafos, ou em alguns olhares silenciosos, que em todas as células de um corpo. Que em todo o sangue ou fio de cabelo. É por isso que nenhum cientista conseguirá explicará a unicidade frágil da vida. É por isso que a razão sempre sucumbirá ao instinto. É por isso que a dúvida ou um sorriso sempre fascinarão mais que qualquer certeza ou radiografia.
A ver vamos...
4.20.2009
Anatomia de um poema
Para repetir
4.19.2009
Tarde demais
Wings
4.18.2009
Acordar
Rádio Macau, Acordar
[ Não parti mas já não sei voltar
Ando às voltas a esquecer quem sou
Bebo a noite até o Sol chegar
Ele sempre me encontrou ]
Inquietação
4.17.2009
Tower of song
Leonard Cohen, Tower of Song
[ I was born like this, I had no choice
I was born with the gift of a golden voice
And twenty-seven angels from the great beyond
They tied me to this table right here
In the tower of song ]
Palpite
Não pondo em causa a minha clara preferência por Victoria’s Secrets e Intimissimi, assumo a excelente escolha desta menina para a campanha da marca Triumph em Portugal. Apenas acrescentaria à “Rainha da Preguiça”, “Rainha do Surf” e “Rainha da Sedução” a “Rainha dos acidentes de viação", a julgar pelo outdoor gigante à entrada da 2ª circular. É um palpite.
4.16.2009
Amar, num tempo irrecuperável
4.15.2009
Percorro-te no pensamento
Um veleiro, ondulando nas tuas curvas
deixando o rasto lânguido dos lábios à deriva
Descendo húmidos, vestidos de sal, ancorados em ti
Percorro a lentidão do teu corpo com o pensamento.
Guiado pelos sinais da pele, que guardei como estrelas
Rosa-dos-ventos das minhas mãos na escuridão
E no entanto vejo-te tão nítida no pensamento
Percorro a lentidão do teu corpo com o pensamento.
Passo a passo. Paragem a paragem. Num ritual minucioso
Diluindo-me nos gemidos porosos
Absorvendo cada estremecer de prazer
Percorro a lentidão do teu corpo com o pensamento.
E quando nos revirmos não precisarei mais de olhos
para me guiar por todos os caminhos
que descobri em ti
Far Away, so close
"Ama como a estrada começa"
[Mário Cesariny]
4.14.2009
Caminhos de papel
Agrada-me, cada vez mais, uma escrita menos compartimentada. Menos rígida ou estruturada. Uma escrita não labiríntica, mas menos hermética ou amarrada a um princípio, meio e fim. Demasiado presa a uma história. Uma escrita não estanque mas antes difusa, de portas abertas. Uma escrita não destituída de várias interpretações.
Gosto também, cada vez mais, de escrever para os lados. Para fora do papel. De deixar pontas soltas, para serem puxadas mais tarde ou para alguém as agarrar como suas. Podendo interagir.
Gosto de hiatos e de saltos, no tempo e no espaço. De abrir janelas. De uma maresia ou nevoeiro melómano. Uma espécie de musicalidade com vida própria. Que desaparece e aparece de surpresa. Quando menos se espera. Com uma simples nota ou acorde familiar. Voltando ao tema principal ou tocando-o apenas ao de leve. Uma sonoridade de maré. Indo e vindo. Que permanece escondida mas que sempre regressa. Sempre presente. Sempre. Passeando, nessa escrita.
Gosto de uma escrita molhada. Um lago espelho. Onde imagens, dançam, salpicadas por gotas de chuva. Dissipando-se em pequenos movimentos ondulares. Diluídas em ecos incertos. Aqui. Acolá. Mais ou menos intensos para os diferentes leitores. Para os diferentes momentos da mesma leitura.
Não há momentos repetíveis. Nada é passível de ser capturado plenamente no papel. É um terreno movediço. Poroso. E o tempo é sempre escasso. Curto. Sempre perecível. Sempre passado, aquando transposto.
Gosto de uma escrita com sabores a frutos. Intensos, mas apenas apreendidos, de uma forma súbtil. Ténues da sua essência. Como o sabor de um vinho. Prolongado, no palato. Mas inevitavelmente impossibilitado de perdurar para sempre. De ser sentido na plenitude do que o originou.
Gosto de uma escrita que volta no cair das noites. Que nos revisita. Uma escrita com calor de cama matinal. De onde não apetece sair. Mas que sempre se tem de largar. Há sempre coisas a fazer e outras a abandonar. Coisas por descobrir e por esquecer. Coisas. A cada visita, dessa escrita.
Gosto, cada vez mais, de escrever com histórias dentro da história. Desconhecendo qual a mais importante. Qual a que quer sobresair. Histórias inacabadas. Prontas a recomeçar ou partir. Prontas a entrelaçar-se num braço. Numa mão aberta. Num respirar mais demorado.
Gosto desse tipo de escrita. Gosto. Cada vez mais. E tenho escrito tão pouco.
4.13.2009
Golden Skans
Clã, Golden Skans
[ Light touch my hand, in a dream of Golden Skans, from now on.
You can forget our future plans.
Night touch my hand with the turning Golden Skans,
From the night and the light, all plans are golden in your hand ]
4.12.2009
Tarde bem passada
2. Banho estupidamente demorado, barba irrepreensivelmente bem feita, vestes leves e descontraidas.
3. Preparação do almoço, sem horários e com boa música, depois de abrir uma garrafa de tinto fenomenal que me ofereceram nos anos (obrigado G. era mesmo boa, de facto).
4. Espetada de frango com uvas (temperado com especiarias e sumo de limão), acompanhado de uma salada de rúcula, alface verde e roxa, tomate cherry, bocadinhos de pão torrado e um (muito ligeiro) molho de iogurte com cebolinho.
5. Óculos escuros e Pedro Paixão, numa esplanada recatada com vista de mar, desencantando algum sol acompanhado de café exemplar.
6. Ronha de final de tarde no sofá com filme há muito adiado, Nespresso e Magnuns after dinner (para compensar o jogging matinal)
7. Recusa de convite em ir ver o Benfica, mesmo sendo em boa companhia e num camarote pomposo
4.11.2009
(Um) silêncio
Um silêncio lento. Assassino. Não sei se difícil se inconsciente. Um silêncio de mãos finas, frias, estrangulando, aos poucos. Esvaziando o ar. Um silêncio, outrora perceptível, mas que ultrapassou o prazo. A razoabilidade. Levantando dúvidas onde nunca existiram. Um silêncio branco que faz esquecer o que se gostou. O que se sentiu próximo. Questionando o antigamente tão certo. Tão cúmplice. Um silêncio indiferente. Não sei se áspero se desprovido de textura. De aromas. Um silêncio autista. Frio. Cómodo ou apaziguador, talvez. Não o sei. Um silêncio egoísta. Que corrói, alastrando como uma ferrugem metálica. Indiferente. Pela negação de uma simples conversa. Única que fosse. Pela falta de interesse. Um silêncio que não permite um telefonema sobre uma qualquer coisa banal. Um silêncio que não condiz com a imagem e por isso custa mais. Um silêncio que quebrei demasiadas vezes, sem resposta, para o tentar sacudir. Para o tentar salvar. Um silêncio que me faz também partir, cansado. Em silêncio também. Certo de tudo ter feito. Triste, ainda assim. Um silêncio de despedida. De adeus, essa palavra que pouco consumo. Que detesto. Tudo isso habita nesse silêncio. Tudo isso lhe preenche as frestas feridas. Tudo isso mora no teu silêncio.
O (teu) nome é legião
Obrigado António. Por seres simplesmente como és.
4.10.2009
Tainted Love #5
Desde que existe arte existe um contador de histórias. E eu gosto das tuas: visuais, figurativas, estampando estados de alma, envoltas de uma luz e côr misteriosa. Um contador de histórias, por vezes, provocador e dramático. Repleto de símbolos icónicos, metáforas e imaginário. A história nasce do teu pincel mas prolonga-se para fora da tela. Desemoldura-se para dentro de mim. Transporto-as, transporto-me com elas.
Take a moment. Take some stories from the storyteller.
O calor do olhar
Tão diferente o mundo sem pressa. Largar uma semente e aguardar a trepadeira a encaracolar. Os frutos carnudos, amadurecendo doces, por colher. Tão pequena a distância entre o santo e o assassino. Ao nosso lado. Diluídos no movimento. Um estranho pode ser tão próximo, sem nunca o descobrirmos. Por receio da irracionalidade, do ridículo. Tão diferente o mundo sem os seus ruídos superficiais. Destapando sonoridades marinhas. Presas a fios de algas. Num tempo de cabelos a envelhecer. Absorvendo histórias como esponjas. A morte sempre à espreita. Guardiã do etéreo. O momento é tudo o que existe ou existiu. Tão diferente o mundo sem palavras. Ou declamado em línguas diferentes. Distantes. Tão circular o que medeia entre um beijo e o esquecimento branco. Adiado, pelo que se baptizou memória. Um nome vão. Esticado. Tão diferente o mundo sem poesia. Sem perspectiva ou relatividade. A mudança toca-se constantemente e reinventa-se. Incessantemente. Até à exaustão. Tão diferente o mundo sem dejasvus. Sem o arrepio da música. Sem o calor do olhar.
4.09.2009
Acusação no vento
a angústia das aves
só duas
em horizontal no coração
das gôndolas
celebraram a paixão
dos amantes sem lábios
rarearam os pianos
nos sonhos
nos espelhos
a angústia
tomou a forma
duma mulher
vestida de encarnado
paixões desencontradas
ao som dos violinos
mortos pelo vento
pântanos na vertigem
das princesas
deslealdade
das luzes de néon
entornadas nos lagos
acusaram-me os arbustos
nos cabelos
4.08.2009
Dormia
Conhecia todas as suas pausas e movimentos. Tomara-os, um a um, numa ínfima atenção. Tornando-os cúmplices extensões dos seus sentidos. Da sua pele.
Cada gesto. Cada feição. Cada olhar. Todos, ondulando próximos. Mais ou menos agitados. Mais ou menos previsíveis.
Apaixonara-se, curiosamente, pela ausência de todos eles. No seu corpo adormecido. Numa beleza criminosa. Distante deste mundo. Para lá da matéria. Para lá de qualquer pensamento. Algures, na perfeição das coisas lentas e inexplicáveis.
Nunca o soube. Dormia e não a quisera acordar.
4.07.2009
Cansaço
A sala vazia. O silêncio polido dos objectos. Gritando. Pedindo calor. A mão vagueando pela estante. Numa carícia infinita. Interminável. Parando num livro que lembra uma pessoa importante, que quase esquecera. Como outras. Que será feito dela? Delas? Escondidas, num verso volátil, destapado. Pedras, mostrando uma terra húmida, adormecida. Outrora quente.
Memórias folheadas, diluídas no papel rugoso. Nenhum papel é igual. Mesmo o que nada contém. Corta-se as memórias, de repente. Tira-se-lhes o ar no barulho do seu fechar. Que ecoa por toda a sala. Soltando um pó espesso. Pesado. Que assenta, grão a grão, trespassado pelos raios de sol.
Parte a mão, novamente. Levitando, algures, no espaço. Num chamamento magnético, moldando-lhe o movimento. Imobiliza-se agora nos discos antigos. Escolhendo um, sem que se consiga aperceber ou pensar. Coloca-o, num ritual melómano. Sagrado. A agulha risca o silêncio, antecipando uma Callas que chora por si, enquanto se perde na janela.
A mão baixa, exausta. Pousada na mesa fria que lhe absorve o calor do sangue. Os objectos sugando-lhe vida, num cansaço dormente. Os objectos presos. Falando alto, em silêncio.