Agrada-me, cada vez mais, uma escrita menos compartimentada. Menos rígida ou estruturada. Uma escrita não labiríntica, mas menos hermética ou amarrada a um princípio, meio e fim. Demasiado presa a uma história. Uma escrita não estanque mas antes difusa, de portas abertas. Uma escrita não destituída de várias interpretações.
Gosto também, cada vez mais, de escrever para os lados. Para fora do papel. De deixar pontas soltas, para serem puxadas mais tarde ou para alguém as agarrar como suas. Podendo interagir.
Gosto de hiatos e de saltos, no tempo e no espaço. De abrir janelas. De uma maresia ou nevoeiro melómano. Uma espécie de musicalidade com vida própria. Que desaparece e aparece de surpresa. Quando menos se espera. Com uma simples nota ou acorde familiar. Voltando ao tema principal ou tocando-o apenas ao de leve. Uma sonoridade de maré. Indo e vindo. Que permanece escondida mas que sempre regressa. Sempre presente. Sempre. Passeando, nessa escrita.
Gosto de uma escrita molhada. Um lago espelho. Onde imagens, dançam, salpicadas por gotas de chuva. Dissipando-se em pequenos movimentos ondulares. Diluídas em ecos incertos. Aqui. Acolá. Mais ou menos intensos para os diferentes leitores. Para os diferentes momentos da mesma leitura.
Não há momentos repetíveis. Nada é passível de ser capturado plenamente no papel. É um terreno movediço. Poroso. E o tempo é sempre escasso. Curto. Sempre perecível. Sempre passado, aquando transposto.
Gosto de uma escrita com sabores a frutos. Intensos, mas apenas apreendidos, de uma forma súbtil. Ténues da sua essência. Como o sabor de um vinho. Prolongado, no palato. Mas inevitavelmente impossibilitado de perdurar para sempre. De ser sentido na plenitude do que o originou.
Gosto de uma escrita que volta no cair das noites. Que nos revisita. Uma escrita com calor de cama matinal. De onde não apetece sair. Mas que sempre se tem de largar. Há sempre coisas a fazer e outras a abandonar. Coisas por descobrir e por esquecer. Coisas. A cada visita, dessa escrita.
Gosto, cada vez mais, de escrever com histórias dentro da história. Desconhecendo qual a mais importante. Qual a que quer sobresair. Histórias inacabadas. Prontas a recomeçar ou partir. Prontas a entrelaçar-se num braço. Numa mão aberta. Num respirar mais demorado.
Gosto desse tipo de escrita. Gosto. Cada vez mais. E tenho escrito tão pouco.
4.14.2009
Caminhos de papel
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3 comentários:
"Agrada-me... deixar pontas soltas... para alguém as agarrar como suas... interagir... escrita molhada... com sabores a frutos. Intensos... inacabadas. Prontas a recomeçar ou partir. Prontas a entrelaçar-se num braço... Num respirar mais demorado."
Hummm gosto disto !
Devias escrever mais. Porque eu também gosto.
;)
também gosto dessa escrita. e gosto muito da tua. ;)
e continuo à espera da carta.....
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