4.07.2009

Cansaço



A sala vazia. O silêncio polido dos objectos. Gritando. Pedindo calor. A mão vagueando pela estante. Numa carícia infinita. Interminável. Parando num livro que lembra uma pessoa importante, que quase esquecera. Como outras. Que será feito dela? Delas? Escondidas, num verso volátil, destapado. Pedras, mostrando uma terra húmida, adormecida. Outrora quente.

Memórias folheadas, diluídas no papel rugoso. Nenhum papel é igual. Mesmo o que nada contém. Corta-se as memórias, de repente. Tira-se-lhes o ar no barulho do seu fechar. Que ecoa por toda a sala. Soltando um pó espesso. Pesado. Que assenta, grão a grão, trespassado pelos raios de sol.

Parte a mão, novamente. Levitando, algures, no espaço. Num chamamento magnético, moldando-lhe o movimento. Imobiliza-se agora nos discos antigos. Escolhendo um, sem que se consiga aperceber ou pensar. Coloca-o, num ritual melómano. Sagrado. A agulha risca o silêncio, antecipando uma Callas que chora por si, enquanto se perde na janela.

A mão baixa, exausta. Pousada na mesa fria que lhe absorve o calor do sangue. Os objectos sugando-lhe vida, num cansaço dormente. Os objectos presos. Falando alto, em silêncio.

2 comentários:

Andreia disse...

Que bonito! E não, não é da bebida! *

© disse...

a callas acompanha lindamente estas palavras
muito bom!
:)

Assíduos do shaker

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