Quando me falam no céu e no inferno lembro-me das ilhas Phi Phi e de Gaza. Lembro-me de um pai rodopiando no ar uma criança, a sorrir, e a de uma mãe a chorar, desesperada, sem comer para dar ao seu menino subnutrido, com olhos distantes, noutro local. Lembro-me de uma botija de oxigénio amarela. Viva, num mar repleto de peixes coloridos e esbatida na da sala de operações, entre batas cinzentonas. Lembro-me de entreajuda e de ganância. Lembro-me de médicos sem fronteiras e de teologias dogmáticas, presas às cadeiras. Obesas. Amorfas. Quando me falam no céu e no inferno lembro-me dum elevador parado, no rés-do-chão. Um elevador com duas portas, entreabertas. Lado a lado. Abertas à vontade do passageiro. Curiosamente no mesmo plano. No mesmo tempo. Curiosamente no mesmo espaço. Na mesma terra. O céu e o inferno vivem-se na terra. Vivem-se em vida, entre nós. Tudo o resto são meras conversas. Conversas de elevador.
1.31.2009
1.30.2009
When the body speaks
1.29.2009
As últimas vontades
a morte na gaveta,
o tempo no degrau.
Conheces o degrau:
o sétimo degrau
depois do patamar;
o que range ao passares;
o que foi esconderijo
do maço de cigarros
fumado às escondidas...
Deixa ficar a flor.
E nem murmures. Deixa
o tempo no degrau
a morte na gaveta.
Conheces a gaveta:
a primeira da esquerda,
a que se mantém fechada.
Quem atirou a chave
pela janela fora?
Na batalha do ódio,
destruam-se, fechados,
sem tréguas, os retratos!
Deixa ficar a flor.
Não digas nada. Ouve.
Não ouves o degrau?
Quem sobe agora a escada?
Como vem devagar!
Tão devagar que sobe...
Não digas nada. Ouve:
é com certeza alguém,
alguém que traz a chave.
Deixa ficar a flor.
1.28.2009
Beleza
1.27.2009
Sometimes
[ Close my eyes
Feel me now
I don't know how you could not love me now
You will know, with her feet down to the ground
Over there, and I want true love to grow
You can't hide, oh no, from the way I feel ]
My Bloody Valentine, Sometimes
Numerologia
Sou um político consensual. Se à esquerda me dou com todos à direita faço toda a diferença.
Um:
Sempre gostei de ser o primeiro. Apenas fico fulo com o zero nas contagens decrescentes.
Dois
Isto de ser indicativo telefónico tem muito que contar. É que todos têm a mania de me porem os dedinhos em cima. Felizmente ando menos tonto desde que acabaram com os telefones de disco.
Três
Isto tem o seu quê de humor negro ser a terminação da conta que Deus fez e ao mesmo tempo do ex-concurso do Carlos Cruz.
Quatro
Chamem-me acelera. Chamem-me o que quiserem. Não prescindo do Audi quattro!
Cinco
Eu sei que me sou bom de apertar mas podiam variar um pouco do “dá cá mais cinco”.
Seis
Ainda gostava de conhecer o engraçadinho que me pôs a alcunha de meia dúzia. Ele não deve conhecer o número da besta.
Sete
Não sei porque razão todos têm a mania de me chamarem pecador. Então e as semanas no Tibete? E os anões não contam para nada?
Oito
Isto de ser número redondo tem muito que se lhe diga. É que tenho a vida feita num oito.
Nove
Continuo a dizer aos outros que não podem passar sem mim. Mas os tipos não me deixam tirar a prova dos nove.
1.26.2009
My secret garden
1.25.2009
O sal da língua
Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.
1.24.2009
O teu corpo nos teus óculos
1.23.2009
The sea
[ I left my soul there,
Down by the sea
I lost control with you,
And living, living,
And I, living, by the sea ]
Morcheeba, The sea
Em memória da estranha maré que nos envolveu neste mar de sentidos
1.22.2009
O fundo da escrita
No fundo ninguém escreve verdadeiramente para si ou simplesmente de si. Quem escreve está sempre acompanhado. Por mais só que se encontre. Por mais vazio. Por mais que não o perceba existe sempre alguém. Algo guardado inquieto ou adormecido. Algo de sopro. Algo de toque de chuva ou raio de sol. A escrita foi inventada para despertar acção. Mais ou menos consciente mas acção. Quem escreve, mesmo que seja uma história, fá-lo para quê? Qual o sentido de contar uma história? Ensinar? Retratar? Levantar a dúvida? Que sabemos nós de que quer que seja? E porque lemos? Para conhecer? Quanto saber dispensaríamos? Quanta felicidade pode morar na ignorância? No fundo quem escreve dá sinais. Liberta-os. Sinais que por vezes nem ele próprio sabe, mas sente. Que o povoam colados como uma sombra. Que lhe exigem um movimento. Por mais brando. Por mais ténue. Que lhe exigem um embalo. Mais ou menos intenso. Mais ou menos consciente. Mais ou menos directo. Escrevemos para nos descobrir ou para nos descobrirem? Sinceramente não sei. Sinceramente já não sei.
1.21.2009
1.20.2009
Sonhos e pecados
Desafio dos 7 pecados mortais:
1. Gula: Häagen&Dazs, pois está claro
2. Avareza: embalagem grande, pois está claro
3. Inveja: acabou a embalagem grande e já cobiço a que a menina jeitosa está a comer
4. Ira: que raiva… a menina parece que não está a querer partilhar
5. Vaidade: sou um expert em Häagen&Dazs na na na na naaaa naaaaaaaaaaa
6. Luxúria: inclui a menina jeitosa e logicamente Häagen&Dazs, claro está
7. Preguiça: queres fazer o favor de telefonar para trazerem mais Häagen&Dazs
Desafio dos 8 desejos para 2009:
1. Lembrar-me dos sonhos nocturnos (é uma infelicidade não me lembrar de nenhum)
2. Nunca deixar de sonhar acordado sem chegar ao estado de Amélie Poulain
3. Cantar a um ouvido que precise que “Na terra dos sonhos, podes ser quem tu és, ninguém te leva a mal”
4. “I have a dream” mas o Martin (que era rei) já fez o favor de o dizer em público
5. “Sonho de uma noite de verão” na Grécia antiga parece-me sempre um sonho interessante (em qualquer ano)
6. Continuar a acreditar que o “sonho comanda a vida”
7. Que o ano de crise não se faça nos sonhos
8. Que as minhas leituras (não, altero antes para leitoras) consigam alternar os “Sweet dreams” com os “Sweat dreams”(só para ligar com os pecados de cima)
Nomeio quem se sinta suficientemente sonhador ou pecaminoso .)
1.19.2009
Aquático
Nothing's impossible
Nothing's impossible
I still believe in love at first sight
Nothing's impossible]
1.18.2009
O rio silencioso
Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem"
1.17.2009
Divagações ...
Novela culinária
1.16.2009
Feitiço da lua
Gostos
Dead can dance, Seeds of light
Gosto de viajar na música
Dos seus mundos: novos, antigos
Gosto daquela luz distante
Do infinito contido nas cores
Gosto até de me perder
No que gosto sem questionar
Simplesmente gosto
de por lá ficar
1.15.2009
1.14.2009
As palavras são um ser estranho
1.13.2009
Equívoco
1.12.2009
1.11.2009
Música com asas
The Corrs, Little Wing (Jimmy Hendrix cover)
[ When Im sad, she comes to me
With a thousand smiles, she gives to me free
Its alright she says its alright
Take anything you want from me, anything
Anything ]
Porque ser capaz de comunicar apenas com música e viajar apenas com asas é algo muito bom. Estranhamente bom.
1.10.2009
1.09.2009
Temos pena
Descobrimos que temos de mudar de emprego quando ao segundo dia depois de umas reconfortantes férias já nos apetece voltar a desaparecer indeterminadamente.
Descobrimos que temos de mudar de emprego quando nos apetece simplesmente ser despromovido em vez de ambicionarmos a mais qualquer coisa.
Descobrimos que temos de mudar de emprego quando para além do objectivo definido nos querem impor a forma e o estílo do atingir.
Descobrimos que temos de mudar de emprego quando nos alteram as regras a meio do jogo, quando dizemos um "não" redondo e nos servem "sins" disfarçados de mil e umas desculpas e faz de contas, e "não tem importância nenhuma".
Descobrimos que temos de mudar de emprego quando mantendo a postura séria e profissional, (mas não acéfala de saber pensar e por vezes discordar), se põem a nu faltas de respeito e educação, ou intromissões intoleráveis na vida pessoal.
Descobrimos que temos de mudar de emprego quando a (pseudo) "liderança" não se faz pelo exemplo ou pela equipa, mas apenas pela crítica (apenas porque se tem de criticar), pela intriga, pelo "porque sim" (sem argumentos válidos), pela tentativa de intimidação (em vez da motivação),
Descobrimos que temos de mudar de emprego quando se sobrevaloriza a forma ao conteúdo, o tempo físico aos resultados, quando as palavras simplesmente perdem a cor e já não dizem o que dizem.
Descobrimos que temos de mudar de emprego quando simplesmente se deixa de acreditar.
Não consigo fazer coisas que não acredito. Não consigo de deixar de pensar por mim próprio e de dizer o que penso. Simplesmente não consigo. Por isso, temos pena.
1.08.2009
Meditação em passos de caminho
Memórias, na terceira pessoa (do singular)
Lembrou-se, também, de algumas das suas expressões. Achava curioso, como por vezes lhe fugia o seu rosto, mas estavam sempre presentes certas expressões. As mais subtis: desde um franzir de testa, delicioso, a uma dança exótica de mãos arabescas. Tatuadas de passado. A covinha do sorriso, onde gostava de ficar calado. No silencio, a contempla-la. Na curva ergonómica do sorriso. Nesse vale perfeito que descobrira, ao acaso, e fizera seu abrigo.
Lembrou-se do seu perfil a conduzir por entre a vasta paisagem diluida com o horizonte. A olhar a estrada de frente. A percorre-la com uma música que não cantava por pudor. Mas que se lhe escapava num ténue sussurro, pelos lábios entreabertos.
Lembrou-se do seu desenho esguio, como um lento acompanhar de pincel. Suave. Deslizando, do queixo para o pescoço. Do pescoço para o peito. Como uma gota. Engrossando aos poucos. Para logo evaporar dentro de si. Guardada algures. Preciosa.
Por mais tempo que passasse sempre guardaria essas imagens. E a do quadro, que lhe contara. Guardadas numas gramas que dizem levarmos comnosco. De peso incerto. Ora leves ora pesadas. Algures. Largadas ao vento. Algures. Espalhadas dentro de si.
Adaptação de um texto antigo. Guardado algures. Algures, na primeira pessoa (do plural).
1.07.2009
1.06.2009
Ecos de Boato
Diz. Diz que disse. Dizem que diz que disse. Que disse que diz que não diz. Um dizer ondulado. Um eco que se propaga, num bater de asas pesado. Difícil de suster. Um eco que se desdobra. Que se multiplica, subindo degraus. Ecoando do alto.
Diz. Diz que disse. Dizem que diz que disse. Que disse que diz que não diz. Um dizer ondulado. Terminando num riso. Um riso fino e subtil. Mas intenso. Que se entranha na vontade de falar. Na vontade do boato.
Os novos pecados mortais: Vingança em Andrómeda-News
1.05.2009
(Escrever-te) Toda
Esta noite [era capaz de te escrever] a noite toda
Decantar-te. Destilar-te
na tua mais pura essência
Toda
Comprimir-te nas suas finas paredes
escuras. Entre seu inicio e fim
Deitar-te sob as margens do papel despido
Toda
Tu na noite
Tu no papel
Tu do inicio ao fim
Tu Toda
Tu e a noite misturadas em mim
Nós três. Amarrados. Diluidos no papel
Presos por uma corda invisível. Esticada
sem perceber quem a puxa. Tu Eu Noite?
Todos. Toda
1.04.2009
Help
Pronto, pronto, retiro tudo o que disse aqui e peço encarecidamente ao comum dos mortais ou ao nerd (desculpem, génio, queria dizer génio informático), que me esclareça por que diabo não consigo receber notificações por email dos comments da maioria das pessoas que aqui comentam.
Até lá, peço desculpa a algum comment importante que fique sem resposta por não me ter apercebido.
Nurayev, o cavalo inquilino
Os teus passos. Nada mais do que os teus passos. Uma escuridão total onde tudo se apaga para os teus passos. Como se o tempo se baralhasse e simplesmente esperasse pelo próximo passo dos teus. Como se fosses descendente de Pégaso, sangue de Medusa, habituado a voar e a nunca os usares em terra firme. Como se quando tocasses o solo o mundo se curvasse em tua atenção. Rendido a teus passos. Rendido ao teu rasto de vento. Foi assim que te senti Nurayev. Assim, tão nítido, sem te mostrares. Foi assim que entraste para nunca mais partir.
Dedicatória
1.03.2009
Trying my best
Placebo, Meds
[ I was alone, Falling free,
Trying my best not to forget
What happened to us,
What happened to me,
What happened as I let it slip.
I was confused by the powers that be,
Forgetting names and faces.
Passersby were looking at me
As if they could erase it ]
Caneta
Caligraficamente falando seria, talvez, tinta preta de uma Montblanc. Um reflexo de alma reflectido no seu preto espelhado, deslizando. Deslizando como um cair de noite. Uma sombra, um felino esguio, deslizando para a ponta dos dedos, e destes para o aparo. Preciso. Minucioso. Escorrendo suavemente sob escrita. Absorvida no manto de neve poroso do papel, apagando o calor do momento nas quatro margens geométricas. Tinta preta como sangue morto ou como arma pronta a disparar. Preto e branco, num contraste perfeito. Guiado por uma pequena estrela polar. Lembrando o cume da montanha branca que lhe dá nome. Lembrando o pico das ideias. Lembrando o que se quer ou o que simplesmente aparece. Sem bater à porta. Sem nada dizer. Lembrado ou esquecido numa caneta de tinta preta.
1.02.2009
Eu já...
Eu já subi num balão de ar quente e foi das melhores sensações que já vivi
Eu já soube tocar relativamente bem e até já toquei em público
Eu já viajei de caixa aberta e velejei num barco à vela
Eu já fiz a PGA, tirei um 20 a História e fui a uma oral de Matemática para defender um 18
Eu já fiquei preso numa ilha por causa do mau tempo
Eu já adormeci num barco insuflável e acordei no mar alto
Eu já estive quase quase para ir morar na Finlândia por dois anos
Eu já vivi momentos que considero valerem uma vida
Eu já me apeteceu fugir e largar tudo
Eu já perdi o meu melhor amigo de infância por overdose
Eu já tive uma namorada espanhola
Eu já fiz várias vezes directas para acabar um livro
Eu já vi ao vivo a maioria dos meus grupos musicais favoritos
Eu já me emocionei com uma imagem ou um olhar
Eu já fiz coisas de que não me orgulho
Eu já vi coisas que preferia nunca ter presenciado
Eu já fui tímido
Eu já fumei um Montecristo nº4
Eu já estive deitado numa praia deserta a contemplar as estrelas
Eu já apanhei uma valente bebedeira
Eu já tive saudades de morte de alguém que já partiu
Eu já dei tudo a uma pessoa e acho que ela nem percebeu muito bem
Eu já tive um jardim secreto
Eu já tirei um curso de cozinha e comprei facas de sushi
Eu já tive um gato com muito carisma
Eu já senti a ténue linha que separa os dois mundos
Eu já tive amigos muito chegados que já pouco ou nada me dizem
Eu já perdi pessoas importantes sem chegar a perceber bem o porquê
Eu já estudei mais tempo depois do que durante a faculdade
Eu já joguei ténis e pratiquei natação
Eu já fui assaltado com uma faca
Eu já perdi a conta às multas de estacionamento
Eu já peguei no carro e parti para parte incerta
Eu já ofereci presentes que me deram mais prazer do que qualquer um que tenha recebido
Eu já mudei uma fralda
Eu já tive momentos perfeitos
Eu já tive o melhor chefe do mundo e a pior
Eu já trabalhei só com mulheres e não recomendo
Eu já disse à minha massagista que fujo com ela e começo a acreditar
Eu já fui o último a sair de uma sala de cinema e já fui ver o mesmo filme duas vezes seguidas
Eu já plantei cactos e ervas aromáticas no pátio
Eu já fiz uma viajem de 3.500 kms de carro em trabalho
Eu já tive um bar de praia favorito
Eu já apanhei um susto de morte ao ver um grupo de amigos capotarem o carro para fora da estrada
Eu já fui orador numa conferência
Eu já escrevi num livro de reclamações e coisas muito sentidas que nunca chegaram ao destinatário
Eu já me enganei a mim próprio
Eu já me perdi e voltei a encontrar
Eu já participei numa festa Havaiana e num baile de máscaras venezianas
Eu já não tenho praticamente contacto com nenhum colega de faculdade
Eu já fui convidado por uma amiga para as danças de salão sem saber dançar nada de jeito
Eu já me apaixonei vezes demais
Eu já senti o poder magnético de estar frente a frente a um quadro original que nos diz muito
Eu já tive um dois cavalos de que guardo grandes recordações
Eu já fui a uma festa da espuma e cheguei a casa enrolado numa toalha de praia
Eu já andei horas à chuva
Eu já ando para tirar um curso de fotografia e de Photoshop há uma catrefada de tempo
Eu já me estendi um pouco sem ter dado por isso
1.01.2009
Tempo
Pudesse ao menos eu agrilhoar-te
Ao coração pulsátil dum poema!
Era o devir eterno em harmonia.
Mas foges das vogais, como a frescura
Da tinta com que escrevo.
Fica apenas a tua negra sombra:
— O passado,
Amargura maior, fotografada.
Tempo...
E não haver nada,
Ninguém,
Uma alma penada
Que estrangule a ampulheta duma vez!
Que realize o crime e a perfeição
De cortar aquele fio movediço
De areia
Que nenhum tecelão
É capaz de tecer na sua teia!