Paulo Coelho
Por mais negro e incerto que o mundo se apresente, devemos sempre olhar para um novo ano com esperança e optimismo, pois o futuro está, também, nas nossas mãos.
Não me refiro ao novo verbo “amunikar” que substitui, a passos largos, o simples lavar de vegetais, nem à proibição de fumeiros artesanais devido a perigos cancerígenos mas, dada a quadra, ao tradicional bolo-rei. Ora não é que o Rei foi destituído de brinde e fava porque uma qualquer criatura não sabia comer.
Esse ser, quanto a mim, tem um nome: parvo. Há que dizê-lo com toda a frontalidade, como dizia o outro. Toda a gente sabe que um bolo-rei é redondo, tem massa, frutos secos e cristalizados, um buraco no meio e, surpresa das surpresas, um brinde e uma fava.
Se fosse uma azevia ou mesmo um tronco de Natal o senhor poderia, de facto, ser ferido de morte, agora um bolo-rei? Por favor. Talvez fosse um tipo azarado que, farto de pagar bolos rei à conta das favas, inventou esta ideia peregrina ou um Édipo que preferia o dourado ao prateado, provavelmente, alguém que não sabe comer com a calma e moderação devidas.
Conclusão, o bolo-rei perdeu a graça toda, assim como uma panóplia de coisas que não vou enunciar para não deprimir almas mais sensíveis, mas teve pelo menos a decência de servir para vos brindar não, com favas, mas com umas sinceras Boas Festas.
Ramos Rosa
Não sei se sou espelho de lua, brisa salgada, ou raiz profunda a caminho do céu. Mas quando os olhos se fecham há sempre um astro que flameja.
Madredeus
Sou feito de água.
Lago cristalino,
mar revolto.
Viajo nas marés,
subo a vapor
mergulho gota a gota
e desaguo em ti,
minha cama
meu adormecer.
Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca
Jorge Palma
Pedaço de terra virado para o mar.
Navegador destemido,
Como te fizeste
tão pobre de horizonte?
Criatividade nunca te faltará,
pena que a uses,
apenas para te enganar
a ti próprio.
Sacrifícios, cada vez menos,
consolados na saudade, tão tua.
Será o fado que te quebra a ambição?
Adormecendo-te num negativismo moribundo?
O som das gaivotas junto às velas velozes
são agora abutres imóveis, de mal dizer,
para quem as vitórias nunca são suadas,
mera "sorte", na inveja do deixa andar.
Que sonhos tens?
Que vontades?
Com que vibras tu? Chutos na bola?
Solta as amarras, acorda deste pesadelo.
Existe um Portugal
em quadro de Paula Rego
com prefácio de Lobo Antunes
e banda sonora dos Madredeus.
onde João Magueijo questiona Einstein
e Damásio contraria Descartes.
Um Portugal com o mistério de Sintra
e o sabor das pataniscas de bacalhau
onde história se casa com o futuro
e tudo apenas à distância
da ambição.
Movimento constante, ruído, automóveis. Partidas e chegadas temperadas por uma luz sufocante, com vida própria. Era a sua primeira noite em Hong-Kong e ainda não sabia responder ao porquê da sua escolha. Um lugar distante bastara, talvez, curiosidade inconsciente, pela urbe cosmopolita oriental, entregue pelos Ingleses à China, assim como ele se deixara entregar ao desconhecido, num fim do mundo onde não conhecia ninguém.
Saíra repentinamente e, acompanhado pelos seus pensamentos, passeava nas ruas entre letras indecifráveis, restaurantes com comida de sorteio, palavras sem sentidos. Seguia em frente atraído pelas luzes sem conseguir parar. De repente, um sorriso com a metáfora que também se lhe iluminara na cabeça: Não há luz ao fundo do túnel mas um túnel de luz onde nem o escuro se consegue vislumbrar.