11.30.2007

O inquilino II

Ali estava diante de mim. Imponente. Altivo. Marcando a sua distância volátil numa imobilidade de estátua. Apenas marcava a sua presença no seu respirar ofegante daquele final de tarde fria.

Parecia calmo. Mostrando-se numa espécie de lago gelado. Reflectindo-se de tudo. Protegendo a sua aparição. Frágil. Pronto a quebrar a qualquer momento.

Fitava-me com os seus olhos enormes de noite sem fundo. Infinita. Absorvente. Misteriosa. Guardiões de outros mundos. Observámo-nos mutuamente numa claridade venenosa de desconfiança e respeito. Numa aproximação ténue a testar terreno.

Desapareceu num raio de luz nunca visto. Intenso. Deixando a percepção da fuga no voar dos pássaros e num trovão de relincho cortante que perdurou até ao cair da noite. Choveu e em cada gota espessa senti a sua presença.

11.28.2007

Perguntas

Na vida mais importante do que as respostas são, sem dúvida, as perguntas.

11.25.2007

Oscar, o cão observador

Oscar era um focinho com orelhas. Do seu pequeno porte e pelo rasteiro era isso lhe transparecia. Como que num íman gravitacional as orelhas caíam-lhe tapando-lhe toda a cabeça onde se avistava apenas o seu focinho húmido, colado ao chão, e um andar vagaroso que não conhecia o tempo.

Conhecia todos os cheiros e ruídos. Pressentia o futuro com um arregalar do olho esquerdo, sempre desconfiado ou andando aflito, em círculos, quando antevia uma desgraça.

Ficava frequentemente para traz, distraído com algo e preservava sempre uma certa distância nas suas alegres caminhadas.

Apaixonei-me para sempre pelo seu estado híbrido, algures entre o dormir acordado e uma sonolência de orelha levantada.

11.24.2007

Dia de chuva

A primeira coisa que deves fazer em Paris é passear à chuva.
Em Paris nunca se usa chapéu de chuva. É proibido.
Há um cheiro doce quando chove em Paris. É dos castanheiros. Sabias?

in Sabrina, Sidney Pollack

Estou a precisar de andar à chuva...

11.23.2007

O anjo mudo

Mar
Nunca conseguiu viver longe do mar.
A sua adolescência ficara cheia de dunas e de camarinhas, de falésias e águias, de tempestades, de nomes de barcos e de peixes; de aves e de luz coalhada à roda duma ilha.
Conhecera a ansiedade daqueles que, ao entardecer, olham meio cegos a vastidão incendiada do oceano - e ninguém sabe se esperam alguma coisa, alguma revelação, ou se estão ali sentados, apenas, para morrer.
Aprendera, também, que o mar, aquele mar - tarde ou cedo - só existiria dentro de si: como uma dor afiada, como um vestígio qualquer a que nos agarramos para suportar a melancólica travessia do mundo.
Depois, partiu para longe. E durante anos recordou, em sonhos, o mar avistado pela última vez ao fundo das ruas. Procurou-o sempre por onde andou, obsessivamente - mas nunca chegou a encontrá-lo.
Certa noite de bruma fria, em Antuérpia, no "Zanzi-Bar", julgou ouvir o mar que perdera na voz dum jovem marinheiro grebo. Mas não, o marulho que aquela voz derramava, junto à sua orelha, era de outro mar - fechado, calmo - propício aos amores inquietos e à lassidão embriagante do sol e do vinho.
Anos mais tarde, em Delos, haveria de reconhecer a voz do marinheiro no rebentar das ondas, em redor da ilha, como um eco: "onde te vi despir regresso agora / para adormecer ou chorar" e a noite caiu subitamente sobre ele, sobre a ilha e sobre o sonolento coração das leoas em pedra.
Uma outra vez, perto de Gibraltar, uma mulher idosa quis ler-lhe as linhas emaranhadas da mão. Já não se lembra o que lhe contou a mulher, acerca da vida e dos rumos da paixão. Recorda somente o que ela lhe disse ao separarem-se:
- Tens nos olhos a cor triste do mar que perdeste.
E passou bastante tempo antes que o homem voltasse ao seu país. Quando o fez, foi ao encontro do mar. Largou a cidade e os amigos, a casa, o conforto, a noite, o trabalho e tudo o mais. Viajou em direcção ao sul, com a certeza de que jamais encontraria o mar perdido, em lugar incerto, a meio da sua vida.
Sabia agora que nenhum mar existia fora do seu corpo, e que tinha sido na perda irremediável de um mar que adquirira um outro onde, por noites de inquietante insónia, podia encontrar-se consigo mesmo e envelhecer sem sobressaltos; afastado da vã alegria dos homens e da pobreza do mundo.
Ao chegar junto do mar sentou-se no cimo da duna, como dantes, e esperou. Esperou que o mar guardado no fundo de si transbordasse, e fosse ao encontro daquele que perdera e se espraiava agora à sua frente.
Ainda hoje permanece sentado, no mesmo lugar - esperando o instante em que os dois mares se dissiparão um no outro, para sempre.
Está cansado da guerra com as palavras e do veneno dos homens, tem os olhos queimados pelo sal. Os dedos adquiriram a rugosidade da areia e dos rochedos; da sua boca solta-se um marulhar surdo, muito antigo, que os dias e a solidão arrastam devagar para a luminosa euforia das águas.
Nunca mais o lembraremos
Um dia, em frente ao mar, ele pensou:
Se me apagasse neste preciso instante, o mundo pouco se importaria com isso. No entanto, deixaria de ser o mesmo: seria um mundo com todas as coisas que conheci e toquei, mas sem mim. E eu, algures na morte, é pouco provável que levasse comigo alguma coisa do mundo. Seria um homem morto, sem mundo, definitivamente só.
Depois, não lhe agradou saber que o mundo, apesar da sua morte, conservaria por muito tempo os vestígios da sua passagem. Desejou, uma vez mais, que tudo o que escrevera até àquele instante se apagasse também, e que do seu nome não restasse uma sílaba.
Pensou em tudo isto sem amargura, porque havia nele dois mistérios insolúveis: viver e escrever. E ambos estavam tão intimamente ligados que, provavelmente, se conseguisse desvedar um deles, o outro sê-lo-ia também.
Mas acontece que tinha tentado fazer da sua vida uma obra tão intensa quanto a obra escrita. Por vezes diluiam-se uma na outra, confundiam-se, tão próximas ou afastadas estavam. E tanto na vida como na escrita, um mesmo desejo o animava: caminhar em direcção à sabedoria última do silêncio - a memória total do mundo.
O pior é que sempre que avançava alguns passos na direcção certa, desiludia-se. A harmonia com o mundo e com o seu próprio corpo continuava inacessível; e outras ignorâncias surgiam, oturas trevas o cegavam. O que parecia estar perto, repentinamente, ficava fora do alcance.
Apesar de tudo, com o avançar lento da idade pressentia, algures dentro de si, um ser de lume - um anjo mudo que o iluminava, revelando- lhe aquilo que devia ou não silenciar.
E quando esse ser o fazia sentir árvore ou pássaro, todo o talendo da árvore e o nocturno voo do pássaro escorriam em si. E se a sensação de mar lhe era transmitida, ele sabia que era um mar muito mais remoto e vasto que aquele que diante de si se movia.
Respirava fundo, tinha medo, e escrevia como uma condenação - e nessa condenação encontrava um breve alívio para a dor das coisas vivas e mortas que o rodeavam. E o corpo, sempre apaixonado, tremeluzia quando o estranho anjo mudo lhe punha uma voz no coração.
Talvez seja por tudo isto que um dia nunca mais o lembraremos, nunca mais. Mas neste preciso instante ele acabou de acordar, abre os olhos, arde, é jovem ainda, e diz-me a sorrir:
- Aqui tens o inocente revólver para a eternidade.


Al Berto

Cor de alento

Estiquei o horizonte ao limite de tanto torcer por ti.
Pedi às nuvens para te invadirem o respirar da mais cálida tranquilidade e ao céu para te cobrir de esperança, afastando a noite densa que te envolveu.
Que o sol te dê o calor do meu abraço e te mostre este lindo dia que apenas espera o teu sorriso.

11.22.2007

Another day





Say
Goodbye
Sunshine
Daylight
'Cause it's just another day
You will lose it anyway

Kiss
The time
That goes
Away
'Cause it's just another day
You will lose it anyway

You
You lust
In Space
In Time
'Cause it's just another day
You will lose it anyway

Air

11.21.2007

Coisa amar

Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.

Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.

Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como dói

desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.
Manuel Alegre

11.20.2007

A estaca

Que os meus valores sejam firmes como uma estaca cravada na terra. Sólidas raízes com olhos de universo. Que tenham sempre a sensibilidade de absorver os elementos e se entusiasmar com impossíveis. Que acreditem num mundo melhor. Que do passado bebam futuro. Que dos erros tirem ensinamentos. Que na sua seiva corram sempre sorrisos e afectos. Onde o Tu se destaque do Eu. Que saibam perdoar e gozar as pequenas magias. Que as águas paradas da injustiça e do cinismo não os belisquem ou desgastem. Que mantenham as cores, rugas e texturas, não deixando transformar-se na pedra fria e polida. Cinzenta, oca, vazia. Que nunca se curvem. E se olharem, em algum momento para baixo, que seja apenas para ver o reflexo do céu.

11.18.2007

Mesquinhez

Um espírito mesquinho é como um microscópio: aumenta as pequenas coisas, mas impede de ver as grandes

Philip Chesterfield

11.16.2007

Child flame

"Nasci adulta e morrerei criança"

Augustina Bessa Luis



The Eyes of Truth
are always watching you
Alsyn Gazryn Zeregleenn
Aduu shig mal shig torolzonoo khuoo
In the distance the mirage stands out like horses and cattle.
Very glad to see my beloved son.
[Sandra's whispers]
Je me regarde
Je me sens
Je vois des enfants
Je suis enfant !
I look at myself
I feel myself
I see the children
I am a child!


Enigma

11.15.2007

Bússula

De todos os caminhos
De todos os destinos
De todos os encontros
De todos os desencontros

De todas as partidas
De todas as chegadas
De todas as pressas
De todas as esperas

De todos os ânimos
De todos os cansaços
De todos os sonhos
De todos os dogmas

De todas as dúvidas
De todas as certezas
De todas as fugas
De todas as descobertas

De todos os sorrisos
De todas as dores
De todos os dias
De todas as noites

De todos os voos
De todas as quedas
De todos os fósseis
De todas as pegadas

Apenas duas certezas
A terra será sempre redonda
E a minha bússola interior

11.14.2007

Degraus

Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
os deuses, por trás das suas máscaras,
ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo.


Mário Quintana

11.13.2007

Folha de Outono

De toda a beleza da vida
Escolhi a da folha
Para me despedir

No seu leve cair
Acenei ao luar
Pelo brilho dos dias

E pisquei o olho
Ao céu pelo pitéu
da chuva vadia

Nesse breve momento
Revivi árvore e semente
Desde o cume à raiz

Curiosamente
nada me ocorreu
do que fiz

Dos verdes campos
Às rugas de Outono
Apenas o teu desfolhar

Beijo a beijo
Folha a folha
Respirar

Naquela folha
a palma da tua mão
Aberta. Desperta

Textura de pele
e carícia num espinho
Frágil. Profundo

Folha caída assim me desfaço
E desfaleço neste manto
De Outono que guardei para ti

11.09.2007

Tentação

Olho-te
Encaro-te
Enfrento-te
Resisto-te

..........sempre em vão

Ilumina-me
Descobre-me
Relembra-me
Decifra-me

..........esta atracção

Desejo-te
Respiro-te
Amo-te
Odeio-te

..........brusca palpitação

Toma-me
Percorre-me
Acode-me
Consome-me

..........esta tentação

11.08.2007

Sympathy for the Devil




Please allow me to introduce myself
I'm a man of wealth and taste
I've been around for a long, long years
Stole many a man's soul and faith

And I was 'round when Jesus Christ
Had his moment of doubt and pain
Made damn sure that Pilate
Washed his hands and sealed his fate

Pleased to meet you
Hope you guess my name
But what's puzzling you
Is the nature of my game

I stuck around St. Petersburg
When I saw it was a time for a change
Killed the czar and his ministers
Anastasia screamed in vain

I rode a tank
Held a general's rank
When the blitzkrieg raged
And the bodies stank

Pleased to meet you
Hope you guess my name, oh yeah
Ah, what's puzzling you
Is the nature of my game, oh yeah
(woo woo, woo woo)

I watched with glee
While your kings and queens
Fought for ten decades
For the gods they made
(woo woo, woo woo)

I shouted out,
"Who killed the Kennedys?"
When after all
It was you and me
(who who, who who)

Let me please introduce myself
I'm a man of wealth and taste
And I laid traps for troubadours
Who get killed before they reached Bombay
(woo woo, who who)

Pleased to meet you
Hope you guessed my name, oh yeah
(who who)
But what's puzzling you
Is the nature of my game, oh yeah, get down, baby
(who who, who who)

Pleased to meet you
Hope you guessed my name, oh yeah
But what's confusing you
Is just the nature of my game
(woo woo, who who)

Just as every cop is a criminal
And all the sinners saints
As heads is tails
Just call me Lucifer
'Cause I'm in need of some restraint
(who who, who who)

So if you meet me
Have some courtesy
Have some sympathy, and some taste
(woo woo)
Use all your well-learned politesse
Or I'll lay your soul to waste, um yeah
(woo woo, woo woo)

Pleased to meet you
Hope you guessed my name, um yeah
(who who)
But what's puzzling you
Is the nature of my game, um mean it, get down
(woo woo, woo woo)

Woo, who
Oh yeah, get on down
Oh yeah
Oh yeah!
(woo woo)

Tell me baby, what's my name
Tell me honey, can ya guess my name
Tell me baby, what's my name
I tell you one time, you're to blame

Oh, who
woo, woo
Woo, who
Woo, woo
Woo, who, who
Woo, who, who
Oh, yeah

What's my name
Tell me, baby, what's my name
Tell me, sweetie, what's my name

Woo, who, who
Woo, who, who
Woo, who, who
Woo, who, who
Woo, who, who
Woo, who, who
Oh, yeah
Woo woo
Woo woo


The Rolling Stones

11.07.2007

Ondas

Que
Eu tenha a perseverança da onda do mar,
Que faz de cada recuo um ponto de partida, para um novo avanço !


Gabriela Mistral


Pedido emprestado e amavelmente cedido para poder assinar por baixo.

11.06.2007

Aquela música

Eu ouço música como quem apanha chuva:
resignado
e triste
de saber que existe um mundo
do Outro Mundo...

Eu ouço música como quem está morto
e sente

um profundo desconforto
de me verem ainda neste mundo de cá...

Perdoai,
maestros,
meu estranho ar!

Eu ouço música como um anjo doente
que não pode voar.

Mário Quintana

11.05.2007

Ecos de água

Fecho os olhos num silêncio de concha vazia.
Um eco de gota sobre água parada percorre-me ondulante.
Escorrego lentamente por pedras polidas, cobertas de musgo.
Húmidas de cheiros e sal.
Visitam-me reflexos que se espantam em meu espelho de mar.
O meu destino é seguir a maré
Acordo cansada


11.04.2007

Nature's scream



Sometimes if we stay quiet and in silence we can ear the voice of nature whispering. Claiming for our nonsense’s.

11.03.2007

Rasto de luz




A cidade estava vazia. Magicamente vazia. Acordara com uma estranha sensação de silêncio total. Foi à janela e avistou a rua completamente despida. Deserta. Nem carros a circular, nem pessoas, nem mesmo os habituais gatos vadios que costumavam passear junto ao telheiro. Nada. Apenas as luzes e uma espécie de rasto, quase imperceptível, que acenava numa dança ténue e o convidava a descer.

Desceu as escadas e começou a seguir o rasto. Era uma espécie de névoa com brilho musical, que curiosamente desaparecia quando se tocava para voltar a aparecer de seguida.

A cidade, que tão bem conhecia, parecia agora diferente. Sem qualquer sinal de vida ao seu redor. Apenas objectos imóveis, outrora despercebidos, que pareciam querer contar-lhe séculos de existência, aborvidos ao longo do tempo.

Sentia-se o único ser no mundo. Como se todas as formas de vida tivessem escorrido por entre as frestas ressequidas da terra para que algo pudesse ser revelado. Ao passar a ponte, a brisa parou subitamente, sentindo-se ainda mais observado à medida que ia seguindo aquele misterioso rasto. Parecia que conseguia ouvir o barulho das luzes, cada vez mais intensas.

Apesar da situação, uma tranquilidade impossível apoderava-se dos seus sentidos numa enxurrada de pensamentos calmos. Ao fim da estrada, um pequeno vale ocultava um clarão de luz. Percebeu ser o final do rasto. Que segredo lhe estaria reservado?

11.02.2007

O limo da memória II

Tantas lágrimas ... tantas ... mas tão diferentes. Dantes, quando chorava, parecia-lhe que todas as lágrimas iam parar a um frasco cintilante e fundo, onde se transformavam em brilhantes, diamantes e pedras preciosas verdes, encarnadas, azuis, amarelas, brancas ... reflectindo tantas ou mais cores.

Apesar do sofrimento que lhes dava origem, parecia-lhe que nesse tempo ainda havia algo que as transformava em coisas belas, puras, coloridas, cheias de emoção e sentimentos, como se a sua fábrica de lágrimas conseguisse produzir algo. Agora ... era diferente ... agora parecia-lhe que as mesmas lágrimas eram vazias, sem sentido e ainda mais sofridas, por isso mesmo.

Olhou o limo, piscou os olhos involuntariamente, imitando o bater das pestanas douradas dele, como os apaixonados fazem inconscientemente quando se encontram frente a frente e perguntou-lhe: "Que hei-de fazer com as minhas lágrimas? Como te posso ajudar, se nem eu
sei já o que fazer delas?" E o limo respondeu-lhe numa voz doce e trémula, frágil mas esperançosa, estendendo o fino braço que se dobrou na sua direcção como a haste verde de
uma flor: "Oferece-mas. São como água para mim. Preciso delas para não murchar."

Puxou as mãos do limo, lentamente, na leveza duma carícia, juntando-as numa concha. Olhou-o profundamente nos olhos e ali permaneceu. O tempo dos seus olhos nos dele percorreram mares e desertos, silêncios e tempestades. Uma viagem a um mundo desconhecido mas com um caminho traçado. Como se sempre o tivesse conhecido. Parou num prado verdejante, cortado por um desfiladeiro enorme onde se sentia o vento nos cabelos. Ao olhar para baixo, penetrando na vertigem do espesso negrume, sentiu uma tristeza apoderar-se de si. Como uma hera a crescer, enrolando-se ao corpo. Uma tristeza inimaginável. Do mundo. Séculos de tristeza concentrada.

Não conseguiu aguentar mais tempo e libertou o olhar do limo em lágrimas. Espessas, percorrendo o rosto, corriam magneticamente atraídas para a concha formada pelas mãos do limo.


To be continued...


Em colaboração com Andrómeda

11.01.2007

"Queria só falar contigo". Só! Porque é que os seres humanos acham que falar com alguém é uma insignificância?

Miguel Esteves Cardoso

Assíduos do shaker

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