10.31.2006

Medo de amar

“Eu quis amar mas tive medo,
E quis salvar o meu coração,
Mas o amor sabe o segredo,
O medo pode matar o coração”

Vinicius de Morais

De todos os medos é, talvez, o que mais me custa a compreender.

10.29.2006

Corpo e alma

O corpo nunca é triste;
o corpo é o lugar mais perto
onde o lume canta.
É na alma que a morte faz a casa.
Eugénio de Andrade


A beleza de um corpo dissipa-se na alma de dois.
Quando tal acontece nasce a tristeza da alma em sua memória.

10.28.2006

Suprema

Suprema força que me atrai
para o que temo
e o meu temor me excita mais
e mais... e mais...
Suprema calma que te encarna
e não me acalma
e a tua mansa, mansa fala
já calou...
Supremo canto dos teus lábios
talvez escárnio
de mim mesma...
talvez a vida
louca vida
me roubou...
Suprema luz que me fascina...
supremo enlevo
que me toca
e dia-a-dia
dia-a-dia
me assassina...


Isabel Machado

10.27.2006

Sinais


“Não declares que as estrelas estão mortas só porque o céu está nublado”

Provérbio Árabe

Universo de sinais
espalhados pelo teu corpo,
como um manto
de estrelas sardentas.

Em todos eles
o mistério da descoberta.
Um longo caminho,
sem tempo, sem gravidade.

Em cada um,
o pedaço de céu
que os deuses
colocaram na pele.

Constelação de sensações
no rasto de um beijo,
cauda de cometa, a percorrer
vagarosamente, as costas despidas.

Queria todo o zodiaco
do teu corpo.
Terra, água e fogo,
vida e morte.

Se as estrelas também esmorecem
há sinais que mesmo cobertos
na seda mais negra e densa,
simplesmente permanecem.

Não se esquecem.

10.26.2006

Pena

De todas as mágoas
dores, desilusões
fiz um disfarce,
uma máscara.

Para ver se lhes
perdia o rasto
afogadas, num carnaval
de Veneza.

Dei-lhe as
cores garridas
dum Monet,
rei do impressionismo.

Impressionou-me
vê-las, impermeáveis
no abrir de cauda
exposto, dum pavão

Que pena...

10.25.2006

Perspectivas incertas

Sempre me habituei a ouvir. Escutar, questionar, observar, fazem parte de mim. A realidade nunca é plana e precisa, possui sempre relevo, inclinações. Nunca é directa nem estática. Escorrega-nos, por vezes no denso nevoeiro das aparências imediatistas e conclusões precipitadas. De tantas curvas, tomamos quantas vezes, atalhos fáceis, não subindo ao cume, à mínima vertigem. Quem não quer ouvir ou se recusa falar não pode ambicionar toda verdade, pois a dualidade de perspectiva é a miragem mais certa de todas as incertezas.

10.24.2006

Leque

Das nossas mãos fiz um leque
ora abertas ou fechadas
abanando preconceitos
dissipando o calor dos corpos

Ocultado o mistério
do magnetismo
infinito
do nosso olhar

E na sua dança sensual
voamos sempre mais alto
vindo morrer, sempre, exaustos
no entrelaçar das nossas mãos

10.23.2006

O vento e a palavra

"Palavras leva-as o vento"



Por mais palavras que coleccionasse não se conseguia explicar. Por mais que existissem, que se inventassem eram manifestamente insuficientes.

As palavras padecem desta fraqueza, por mais precisas, minuciosas, poderosas, milimétricas, como que por uma maldição, não são fiéis, embaciam o espelho da alma do criador, reflectem a luz, não a deixando penetrar na profundeza desejada, evaporam sem molhar a pele. Traiem quem tanto as acarinha.

As palavras são, por vezes, prisioneiras de resposta, retidas. Outras, passeiam em pés descalços sobre conchas brancas, silenciosas, arrefecendo na espuma sem serem notadas. Arremeçadas violentamente, por vezes, ferem de morte quem as enviou com a melhor das intenções.

As palavras são meras articulações da linguagem, que na sua mais pura essencia é universal, transparente, musical aquando da presença um simples olhar.

Por tudo isso, há alturas onde aquece mais o vento na cara a uma fria palavra cara. Palavra!

10.22.2006

Verdade ou consequência

"A verdade é muitas vezes a melhor camuflagem. Ninguém acredita nela"

Max Frich

Entre a verdade e a consequência
um universo de decisões e incertezas
uma palete de cores, frias ou quentes.

Verdades que magoam mais que mentiras
Verdades, que amanhã, deixam de o ser
Meias verdades, omissas em detalhes
por vezes, mais carinhosas que a própria verdade.

Verdades proibidas, de saltar no precipício
Verdades que não se dizem, sentem-se
Verdades, só de nome, onde nada se sabe
Verdade do olhar, olhos nos olhos.

Nunca a mentira vil
premeditada, cruel, enganadora
banalizada e mesquinha.
Maldade negra que asfixia.

Verdade ou consequência?

10.21.2006

Desilusão

"Feliz do Homem que não espera nada, pois nunca terá desilusões"

Alexander Pope

Cravado num fundo
que não se sabia ter
despertam cansaços
e o corpo fraqueja

Como foi possível?
Distracção?
Premeditação?
Medo?
Indiferença?

Talvez um dia
fique nítida
a cor dum sangue
parado, reflectido na luz
que esmorece,
por ente a noite escura
da desilusão

10.18.2006

O beijo

"O beijo é um artifício criado pela natureza para acabar com o discurso quando as palavras já não existem"

Ingrid Bergman


Por mais força
no cerrar do olhar.
Por mais silêncios,
palavras amordaçadas.
Surdez, esquecimento.

Ainda lembras o beijo...

O estremecer da natureza
nunca se controla.
Terás sempre esse olhar
onde não há ninguém,
num lugar silêncioso
mas que não se apaga.

10.17.2006

Noite de Jazz

Mesa do costume.
Gershwin a meia luz,
e uma taça de champagne.
Meio cheia? meio vazia?
Depende da perspectiva.

Apenas uma,
de algumas questões
que lhe percorriam a alma.

Bonita palavra - perspectiva.
Viaja ao futuro
reparando na arquitectura.
Abre janelas e ângulos.
Cria o poder da imagem.

E a que via, nesse momento
era a perfeição infinita
da sensualidade
do corpo feminino
num piano de cauda.

Atordoado por uma voz,
quente, um pouco rouca,
persentia
o múrmurio das conversas,
o leve cruzar de olhares,
as luzes dos cigarros.

Inundava-lhe, aos poucos,
uma paz. Ocenano
que diluia os pensamentos
na vastidão
do improviso sem regras
duma noite de Jazz.

10.16.2006

Blue bird

Voou de repente, sem nada o fazer prever. Com uma alegria de criança a correr na praia misturada com o dissipar de uma dor espessa, rochosa, que se agarrara à sua alma veranil como um mexilhão, tornando-a inverno.

É quando menos se espera que tudo fica claro, e nesse preciso momento via o horizonte, em toda a sua plenitude, sem núvens, ruído. Apenas o seu bater de asas, há muito presas no passado.

Acordas-te ao ritmo flamenco do bater das palmas, num tango com cores de Almodovar, que te vive no sangue e, nesse ápice, que nos afasta a cegueira, fizeste-te azul, de pássaro a voar em liberdade.

Para a gotinha de água que se tornará pássaro mais cedo do que julga.

10.15.2006

O barulho das luzes

No enssurdecedor movimento da cidade era invisivel, mas intenso, o barulho que ouvia.
Por mais que se esforçasse não sabia a sua origem. E já a alguns dias teimava em permaner. Resistia, à vida na grande cidade, que habituara os ouvidos à indiferença. Sobressaía.
Na cidade que nunca dorme, o silêncio não existe, e até a luz parece ter um som, desviando o olhar e camuflando as estrelas no céu. Ele, maestro de renome, habituado às mais complexas melodias, não descortinava agora esse som e no entanto ouvia-o, com uma nitidez invulgar, como um chamamento. Nunca chegou a saber ao certo o que era esse som, talvez fosse a luz da consciência, que não se vê mas tudo ilumina. Mas desapareceu, assim como veio, de repente, no barulho das luzes...

10.13.2006

Mar sonoro

Há mar e mar, há ir e voltar...


Mar sonoro, mar sem fundo , mar sem fim,
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho,
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.

Sophia de Mello Breyner Andresen

10.12.2006

Vastos Campos

Vou fazer-te uma confidência, talvez tenha já começado a envelhecer o desejo, esse cão, ladra-me agora menos à porta.
Nunca precisei de frequentar curandeiros da alma para saber como são vastos os campos do delírio. Agora vou sentar-me no jardim, estou cansado, Setembro foi mês de venenosas claridades, mas esta noite, para minha alegria, a terra vai arder comigo. Até ao fim.


Eugénio de Andrade

10.11.2006

De azul em azul

"Aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós"
Amado Nervo


O que me custa não é o fim.
Tudo tem um fim. E renasce, talvez.

Custa sim a partida, despida de memória
o esvaziar dos cestos
de imagens, cheiros, formas e sabores.

O esquecimento branco
silencioso,
de afectos, sentimentos, sorrisos.
Apagados.

Ausência de história
de passados cúmplices.
De melodias
Do mar, de azul em azul.

Será possível preservar tudo isso?
Não creio, apenas alguns “dejás-vus”.
Sátira ou arrependimento do criador
esse património não volta.
Nunca, nunca mais…



"Nunca mais este momento
será teu
lentamente há-de chegar
o fim da linha
enfim

Nunca mais o mesmo modo
o mesmo sol
e a noite pouco a pouco
de azul em azul

Nunca mais este momento voltará
Lentamente o vento,
o movimento, o mar,
o ar

Viajará esta noite rio a cima
e nunca mais o mesmo sol
o céu, a terra
Nunca mais"
Rádio Macau

10.10.2006

Contradições

Tu que acreditas em doze dimensões
não vislumbras que só uma já é curta
não nos chega,
e que teu ser habita já, numa delas
despido de contradições,
com a mais simples certeza
da falta de lógica
ou das impossibilidades.
Dum rio que nasce no cume
do nosso desejo
vir morrer
na mais pura tranquilidade
em tons de lilás.

Contradições?
Meras constatações...

10.09.2006

Quem sou eu? Quem és tu?

"Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses"

Sócrates

A sede do saber é insaciável.
Para tudo queremos repostas.
Simples, rápidas, directas. Tranquilizadoras.
Sobrevivo bem nas interrogações de certos mistérios.
E nunca me conheço, suficientemente bem.



Na grande confusão
deste medo
deste não querer saber
na falta de coragem
ou na coragem
de me perder me afundar
perto de ti tão longe
tão nu
tão evidente
tão pobre como tu
oh diz-me quem sou eu
quem és tu?

António Ramos Rosa

10.08.2006

Medusa

Dureza da pedra, a gretar.
Espalhando-se pouco a pouco
pelo corpo,
lentamente, devagar.

Afiando a angustia
amolecendo a memória
enfraquecida, dormente,
adormecida.

Gelo cortante
nas veias outrora quentes
estende seu manto
escorregadio
afastando-te num deslizar
invisível.

O que se me enrrolou
serpente venenosa
o tempo quer afogar
mas ressuscitará
sempre no teu olhar
de Medusa

10.07.2006

O tempo de um charuto

"O tempo é aquilo que dele fazemos"

Slogan da Citizen


O tempo é, de facto, relativo. Como aliás, quase tudo na vida.

Não fumo, mas aprecio, de quando em vez, um bom charuto."O que não mata engorda", diz a voz popular, mas eu estou elegante e não será, por certo, um "Cubano" que me encurtará essa preciosidade que dá pelo nome de tempo.

Quando o fumo, sinto na perfeição a sua relatividade. Desde o corte, ao lento acender, aos travos espaçados, esticamos o tempo, quase ao infinito.

É impressionante o que percorremos ao olhar as estrelas com um bom charuto.
É bom parar a olhar as estrelas, ver o quanto somos pequeninos, no meio da sua imensidão e confundir o tempo, no tempo de um charuto.

10.06.2006

Enjoy the silence

Amo a palavra. Sempre a amei.
A sua imagem veloz, as longas asas, o calor de vulcão e a sua força indomável.
A sua leveza de toque, pura carícia, ou perigo cortante de animal selvagem.
Mas a palavra também é vã e se esquece.
Os momentos mais belos vivem e morrem em silêncio...



Words like violence
Break the silence
Come crashing in
Into my little world
Painful to me
Pierce right through me
Cant you understand
Oh my little girl

All I ever wanted
All I ever needed
Is here in my arms
Words are very unnecessary
They can only do harm

Vows are spoken
To be broken
Feelings are intense
Words are trivial
Pleasures remain
So does the pain
Words are meaningless
And forgettable

All I ever wanted
All I ever needed
Is here in my arms
Words are very unnecessary
They can only do harm

Enjoy the silence

Depeche Mode

10.05.2006

Meia de lã

Meia noite
Meia a dormir
Meia despida
Meia lua

O frio da noite
na memória quente,
meia enrrolada
da meia de lã

10.03.2006

I see you soon...


Em memória da "soul sister" que partiu em viagem. Estou certo que chegará onde quizer. Apenas espero que a sua aventura possa ter também, porque não, um regresso...


Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé do marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).

Prestes larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura ...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.

Miguel Torga

10.02.2006

Paciente transparente

"Cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém...
... Excepto à galinha"


Adoeceste.
De mim ou de ti?
De que padecemos nós
realmente
se não da mais vil doença
que nos consome
lentamente
sem ir à cama.

Medo?
Travão?
Castigo?
Paixão?

Qual a vacina?
a receita?
Qual a pergunta correcta
para esta maleita?

Esquece esta febre,
delírio, desabafo demente.
Desejo uma melhora, breve
à minha paciente.

Não sou médico, enfermeiro, vidente ou curandeiro, mas parece-me de facto, transparente...

10.01.2006

Arranha céus

Era uma vez uma arquitecta. Não uma arquitecta qualquer.
Estou a falar da arquitecta que arranha céus com os seus poemas.
Era modesta, esta arquitecta, e nem sei, ao certo, se alguém se apercebia da altura dos seus poemas.

Se fossem dela, as twin towers, não haveria avião que chegasse aos últimos andares e o museu guggenheim poderia ter a mesma forma bizarra, moderna e ousada, mas não seria em Bilbao, porventura, na Lua.

Gostei de conhecer uma arquitecta capaz de ultrapassar as margens da folha de papel e sem vertigens, apenas um pouco modesta. Mas como vos disse, não é uma arquitecta qualquer. É a arquitecta que arranha céus, com os seus poemas.

Perdoa-me mas não resisti a partilhar...


Faz
De mim a tua tela,
Pinta-me
Com as cores
Com que o meu ser
Se esbate,
Traça em mim
A alma da tua arte.

Dá-me traços
Curvos e longos
Rectos ou escassos,
Dá-me perspectivas
Pontos de fuga
Breves espaços.
Serei abstracta
Ou digna do puro realismo?
Indiferente!
Pinta somente,
Compõe em cinco actos
O meu surrealismo.

Faz
De mim a tua tela,
Faz
De mim o teu teorema.
Eu farei de ti o meu poema.



M.

Assíduos do shaker

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