6.26.2012

Doze moradas do silêncio


Envolver-me 
na mais obscura solidão das searas e gemer 
Amassar com os dentes uma morte íntima 
Durante a sonolência balbuciante das papoulas 
Prolongar a vida deste verão até ao mais próximo verão 
para que os corpos tenham tempo de amadurecer 

...colher em tuas coxas o sumo espesso 
e no calor molhado da noite seduzir as luas 
o riso dos jovens pastores desprevenidos...as bocas 
do gado triturando o restolho....as correrias inesperadas 
das aves rasteiras 

....e crescerei das fecundas terras ou da morte 
que sufoca o cio da boca..... 
....subirei com a fala ao cimo do teu corpo ausente 
trasmitir-lhe-ei o opiáceo amor das estações quentes. 



Al Berto

6.19.2012

Silêncio vendado


Vendada mordes o silencio da cal
e habitas macia 
nesse suspiro molhado
libertado sem tempo ou lugar
Deserto indolente
Aceso, ao sussurrar dos dedos



6.18.2012

Poema à mãe




No mais fundi de ti, 
eu sei que traí, mãe
Tudo porque já não sou 
o retrato adormecido 
no fundo dos teus olhos. 

Tudo porque tu ignoras 
que há leitos onde o frio não se demora 
e noites rumorosas de águas matinais. 

Por isso, às vezes, as palavras que te digo 
são duras, mãe, 
e o nosso amor é infeliz. 

Tudo porque perdi as rosas brancas 
que apertava junto ao coração 
no retrato da moldura. 

Se soubesses como ainda amo as rosas, 
talvez não enchesses as horas de pesadelos. 

Mas tu esqueceste muita coisa; 
esqueceste que as minhas pernas cresceram, 
que todo o meu corpo cresceu, 
e até o meu coração 
ficou enorme, mãe! 

Olha — queres ouvir-me? — 
às vezes ainda sou o menino 
que adormeceu nos teus olhos; 

ainda aperto contra o coração 
rosas tão brancas 
como as que tens na moldura; 

ainda oiço a tua voz: 
          Era uma vez uma princesa 
          no meio de um laranjal...
 

Mas — tu sabes — a noite é enorme, 
e todo o meu corpo cresceu. 
Eu saí da moldura, 
dei às aves os meus olhos a beber, 

Não me esqueci de nada, mãe. 
Guardo a tua voz dentro de mim. 
E deixo-te as rosas. 

Boa noite. Eu vou com as aves. 



Eugénio de Andrade

6.12.2012

Check please...



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6.09.2012

On the rocks


Não tenho nada para dizer. Nada que valha a pena ou o esforço. Nada. Limito-me a folhear desprendidamente um livro de fotografias a preto e branco, perdido há semanas, abandonado, algures pelo chão. Curioso, como a nitidez ecoa pela sala sem usar uma única frase, despida de qualquer palavra. Apenas o barulho do gelo a quebrar no copo de cocktail. Também não me apetece falar da bebida. Há dias assim, em que se dispensa a fala e se desliga do mundo. E as imagens a olharem-me atentas, algumas quase aflitas - a exigirem um toque, uma memória, uma atenção. Numa imagem vivem muitas histórias, muitas músicas, muitas pessoas e sempre têm algo a dizer. Algo que se esqueceu ou que nunca se ouviu. Algo que valha a pena. 

6.02.2012

Misturo-me [no teu calor]


Misturo-me no teu calor e na tua pele dissipo a lisura das mãos. Navegam por ti, soltas, brancas, antigas. Como que polidas pelo mar. A tua beleza fere como a manhã mais luminosa, ali adormecida, ondulando em mim. Flutua comigo, no sangue, na respiração. E por ali fico a noite toda, abraçado a ti, encaixado nesse silêncio cúmplice, náufrago desse teu calor. Nessa dança aluada, nessa cantiga, preso ao cheiro dos teus cabelos.
Misturo-me no teu calor, abrigado da chuva na curva das tuas pálpebras fechadas que me fazem ver a simplicidade na imensidão. 

Assíduos do shaker

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