Agora é Verão, eu sei.
Tempo de facas, tempo
em que se perdem os anéis
as cobras à mingua de água.
Tempo em que se morre
de tanto olhar os barcos.
É no Verão, repito.
Estás sentada no terraço
e para ti correm todos os meus rios.
Entraste pelos espelhos:
mal respiras.
Vê-se bem que já não sabes respirar,
que terás de aprender com as abelhas.
Sobre os gerânios
te debruças lentamente.
Com o rumor de água
sonâmbula ou de arbusto decepado
dás-me a beber
um tempo assim ardente.
Pousas as mãos sobre o meu rosto,
e vais partir,
sem nada dizer,
pois só quiseste despertar em mim
a vocação do fogo ou do orvalho.
E devagar, sem te voltares
pelos espelhos entras na noite acesa.
Eugénio de Andrade