Apresentou-se detalhadamente, demasiadamente [no fundo é tão curto mas tão difícil apresentarmo-nos verdadeiramente] mas houve uma frase que ecoo sobre todas as outras. Uma frase que me levantou a orelha daquela cadeira desconfortável, como um cão meio adormecido entre dois mundos, fazendo-me encurtar a distância com aquele homem, que nunca vira mais gordo, e me falava de algo profundamente íntimo.
De tudo o resto pouco [ou nada] retive. Mas aquela frase estremeceu, fazendo parar o corpo à espera do trovão que se lhe seguiria, àquela luz cortante inicial. Àquele aviso: “o meu irmão faleceu num desastre de aviação” e mais tarde, no desfiar da conversa [já canídeo mais desperto], novamente, mas mais camuflado [a precisar de olfacto apurado], numa saudade infinita de infância, numa corrida inocente de jardim que ficou talvez por dar [espelhada num olhar], repleta de sorrisos interrompidos bruscamente por outra frase que logo lhe seguiu.
A dor de perder um irmão ou um filho é uma coisa que ninguém poderá alguma vez estar preparado, ou poderá explicar por palavras [estou certo disso], apenas talvez, se consiga sentir, muito diluída, muito funda, por uma ligeira expressão ou um olhar mais preso, mais calado.
Aquela frase ficou-me vários dias a trovejar, lembrando-me a infância, somando-se a outras, curiosamente, nos dias seguintes, como que premeditadamente arranjadas: “o teu irmão não é o mesmo que saiu de casa”; “quase não fala, parece revoltado”; “não é o mesmo” [continuava a trovejar].
Que nos afastou assim tanto? Em que momento ocorreu? Que muro se nos levantou? Porque me cansei de te procurar sem respostas? De te esperar? Porque é que as forças me abandonaram numa mágoa cálida e silenciosa?
Lembrei-me de ti, hoje, sabes? [às vezes lembro-me muito de ti, mas sinceramente já não estou tão certo se te lembras de mim]. Quando te liguei fiquei uns segundos calado [um tempo milimétrico que me pareceu infinito], à espera do que viria colado na tua voz, às tuas pausas, mas logo após as primeiras frases lembrei-me que afinal sempre existira o tal acidente de viação, de que não me apercebera, que te levou, mesmo aqui tão próximo, que não me permite resgatar-te, trazer-te de volta. Um acidente que me magoa pela indiferença e indisponibilidade e me deixa, às vezes, o tal olhar distante, preso a memórias.
Sinto muito [é bem diferente de “lamento”, estas duas palavras, próximas mas tão diferentes, como nós actualmente, e de facto sinto, muito] Sinto muito, mas também porque nunca o conseguirei pôr por palavras.
Para o meu irmão, algures, muito longe
4 comentários:
Sinto muito por ti.
Abraços
mas as tuas palavras traduzem o choque e a dor da perda...lamento de verdade!!!
um abraço
Nunca o percas, mesmo que para isso tenhas de atravessar infernos. Um irmão é das poucas coisas que realmente se "tem" neste mundo.
Eu e o meu irmão não somos de grandes afectos demonstrados, mas existe um fio invisível que nos une e que ambos persistimos sempre em manter, apesar de nunca termos falado sobre isso.
Nunca o percas. Faz o que for preciso, mas nunca o percas.
Não imaginas a angústia que é para uma mãe ver que dois filhos não se dão.
Vivi isso de perto com dois dos meus tios e via o sofrimento estampado na cara da minha avó.
Hoje, olho para os meus filhos que não passam um sem o outro(mas que também volta e meia já andam às cabeçadas) e só peço a Deus que eles nunca se venham a dar mal...
Eu, sou filha única, nunca soube o que era ter um irmão, e bem houve tempos em que o quis e muito. São laços de sangue, tem de ser algo de muito forte, acho que irmãos que não se falam não devem conseguir dormir tranquilos. A não ser que seja por uma razão muito forte...
mas isto são apenas pensamentos, posso estar desfasada da realidade...
quanto a ti, espero que encontres a tua tranquilidade.
um beijo,
Enviar um comentário