assaltemos o céu e a Lua aprisionemos
Uma noite Uma noite Uma noite pelo menos
David Mourão Ferreira
Os faróis iluminando o denso da noite. Quieta. Despovoada. Calada. Os faróis a perturbar a sua frágil túnica. Funda. De sedosos imobilismos. Protegida no dormir dos corpos. Cansados. Todos tinham partido para nos deixar a sós. Nós dois naquela estrada deserta. Os faróis iluminando cada curva. Destapando as copas das árvores. As criaturas nocturnas. Passando, em relance, formas estranhas. Recordando lugares, objectos, conversas. Perdidas na memória. À escuta. Imagens resguardadas de sentido. Pela falta de luz. De nitidez.
Mais uma estrada silenciosa. Mais uma partida. Mais um destino. Mais uma brisa fria entrando pela janela. O sabor da mão estendida, resistindo à velocidade. Sentindo-a lá fora. Presente. Atenta. Desafiando-a nas curvas. E a estrada sempre vazia. E o vazio do tempo nos lugares. Como sempre foi. Como sempre será. O poder de tudo fazer por entre ela. Despida só para mim. Uma vontade de parar. Por momentos. E apagar as luzes. Ficar por entre o seu escuro. Escutá-la de perto. Acender um cigarro. Por uma música, talvez. Uma música decorando o negro aveludado. Dando-lhe um sentido que não existe. Que nunca existiu. Que nunca existirá.
Mais uma viagem nocturna. Mais uma vontade de partir com ela nas suas longas asas. Que se agitam em vento ténue. Na cara. Partir nos seus segredos. Antigos. Sedutores. Ramo a ramo. Grilo a grilo. Coaxar a coaxar. Fazer-me noite e dar a vez a um novo dia.
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