12.31.2006

Ano novo

"Não existe nada completamente errado no mundo, mesmo um relógio parado consegue estar certo duas vezes por dia"

Paulo Coelho



Por mais negro e incerto que o mundo se apresente, devemos sempre olhar para um novo ano com esperança e optimismo, pois o futuro está, também, nas nossas mãos.



12.30.2006

Um telefone toca

Um telefone toca
mas ninguém nota
Toca, na escuridão
cega, da vasta multidão.

Toca invisível,
Impossível
Vindo estranhamente
soar à minha mente

Se a palavra se propaga
numa simples chamada
porque não poderei evaporar
ao atender esse chamar?

12.29.2006

Sobre um poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
– a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
– Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
– E o poema faz-se contra o tempo e a carne.

Herberto Hélder

12.27.2006

Blue dress

Put it on
And don't say a word
Put it on
The one that I prefer
Put it on
And stand before my eyes
Put it on
Please don't question why
Can you believe

Something so simple
Something so trivial
Makes me a happy man
Can't you understand
Say you believe
Just how easy
It is to please me

Because when you learn
You'll know what makes the world turn

Put it on
I can feel so much
Put it on
I don't need to touch
Put it on
Here before my eyes
Put it on
Because you realise
And you believe

Something so worthless
Serves a purpose
It makes me a happy man
Can't you understand
Say you believe
Just how easy
It is to please me

Because when you learn
You'll know what makes the world turn

Depeche Mode

12.25.2006

Bolo-rei e boas festas

É impressionante a actual vaga de normas, regras e conselhos que têm apenas o condão de estragar coisas simples, inofensivas ou tradições de gerações em nome de pseudo valores que algumas mentes brilhantes se lembram de inventar. Não acreditam? Querem ver?

Não me refiro ao novo verbo “amunikar” que substitui, a passos largos, o simples lavar de vegetais, nem à proibição de fumeiros artesanais devido a perigos cancerígenos mas, dada a quadra, ao tradicional bolo-rei. Ora não é que o Rei foi destituído de brinde e fava porque uma qualquer criatura não sabia comer.

Esse ser, quanto a mim, tem um nome: parvo. Há que dizê-lo com toda a frontalidade, como dizia o outro. Toda a gente sabe que um bolo-rei é redondo, tem massa, frutos secos e cristalizados, um buraco no meio e, surpresa das surpresas, um brinde e uma fava.

Se fosse uma azevia ou mesmo um tronco de Natal o senhor poderia, de facto, ser ferido de morte, agora um bolo-rei? Por favor. Talvez fosse um tipo azarado que, farto de pagar bolos rei à conta das favas, inventou esta ideia peregrina ou um Édipo que preferia o dourado ao prateado, provavelmente, alguém que não sabe comer com a calma e moderação devidas.

Conclusão, o bolo-rei perdeu a graça toda, assim como uma panóplia de coisas que não vou enunciar para não deprimir almas mais sensíveis, mas teve pelo menos a decência de servir para vos brindar não, com favas, mas com umas sinceras Boas Festas.

12.23.2006

Silêncios da fala

São tantos
os silêncios da fala

De sede
De saliva
De suor

Silêncios de silex
no corpo do silêncio

Silêncios de vento
de mar
e de torpor

De amor

Depois, há as jarras
com rosas de silêncio

Os gemidos
nas camas

As ancas
O sabor

O silêncio que posto
em cima do silêncio
usurpa do silêncio o seu magro labor.


Maria Tereza Horta

12.22.2006

Faz-me um favor

Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.

É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das caras e dos dias.

Tu és melhor - muito melhor!-
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.


Mário Cesariny

12.21.2006

A minha sereia

A minha sereia ainda não canta mas encanta como ninguém.
Fala na vóz dos peixes e respira sol no olhar. Suas lágrimas são meu mar, seu sorriso a vela esticada que rasga horizontes. Sua fome é minha sede, suas mãos meu alento. Na sua pele, o calor da areia fina. No seu buzio a paz dos anjos.

Não sei o que pensa a minha sereia, mas sou naufrago, prisioneiro do seu olhar.

12.20.2006

Walk on

Walk on, walk on
What you got, they can't steal it
No, they can't even feel it
Walk on, walk on
Stay safe tonight
U2


Não sei para onde caminho mas o que me persegue é um nevoeiro sinistro, que tem tanto de mágico como vertigem. Não é deste mundo nem sei quando desaguou. Certo é que ficou.

12.19.2006

Alma alfarrabista

"Eu sou do tamanho do que vejo não do tamanho da minha altura"

Alberto Caeiro


Passeava por entre os livros. Eram água para a sua sede desértica. Uma sede de conhecimento, de novos lugares, perspectivas, vivências. Tocava-os com um carinho paternal, protegendo-os, devorando-os no pavor do tempo a escorrer como areia pelas mãos. Amava-os em cada detalhe, do toque ao cheiro, no respirar da frase que acaba, em cada ondulação de corpo feminino.
Não percebia como podia haver quem os ignorasse ou trocasse e sentia uma pena profunda de quem não sabia ler ou não os podia ter. A custo, é certo, já se conseguira desprender da sua posse, preferindo tentar replicar nos outros a brisa de sensações que sempre lhe proporcionavam. Semeáva-os, deixava-os em locais públicos, estratégicos, estudados, observando quem lhes pegava e imaginando que janelas abririam noutro corpo diferente do seu. Apenas guardara um ou dois dos quais não se conseguia desfazer pois seria o mesmo retirar parte de si e, de quando em vez, quando as saudades apertavam visitava-os nas bibliotecas ou livrairas. Apenas o incomodava os que inevitavelmente ficariam por colher, por falta de tempo, conhecimento ou atenção, nesta vida fugaz que sempre será tema de livro incabado.

12.18.2006

Love theme





Ease your lips into a velvet kiss while I enfold you
Move your hands across this promised land
The seekers guided by the pole star

Say the words
Why don’t you say the words
I have been waiting long to hear
Please fall in love with me

Drift with me upon an endless sea
We are divine in the realm of these senses
Every move has been a subterfuge
While we pretend that we really don’t care

Lose your fear we might be strangers here
But I can feel we might be one
Please fall in love with me

I hear the sound of moons falling
Surrender to this charm
I breeze across your soul darling
Deep eternity

Lost your mind
Well don’t you think it’s time
To swim away from the safety of these beaches

Trust the tides,
they know which way to flow
And don’t you long to flow so far

Moved by waves wea’ve never felt before
Till we are floating way out deep
Please fall in love with me
Please

Tim Booth


Podemos negar o amor, podemos nunca o encontrar, podemos viver por amor, mas ele nunca se pede. Simplesmente bate à porta ou sai pela janela.

12.16.2006

Metamorfoses das palavras

A palavra nasceu:
Nos lábios cintila.

Carícia ou aroma,
Mal pousa nos dedos.

De ramo em ramo voa,
Na luz se derrama.

A morte não existe:
Tudo é canto ou chama.

Eugénio de Andrade


Como uma maré as palavras vão e vêm, humedecendo a pele ávida de brilho, no calor da sua dança.

12.15.2006

O astro que flameja

Escrevo-te enquanto algo resvala, acaricia, foge
e eu procuro tocar-te com as sílabas do repouso
como se tocasse o vento ou só um pássaro ou uma folha.
Chegaste comigo ao fundo aberto sob um céu marinho,
sobre o qual se desenham as nuvens e as árvores.
Estamos na aurícula do coração do mundo.
O que perdemos ganhamo-lo na ondulação da terra.
Tudo o que queremos dizer sai dos lábios do ar
e é a felicidade da língua vegetal
ou a cabeça leve que se inclina para o oriente.
Ali tocamos um nó, uma sílaba verde, uma pedra de sangue
e um harmonioso astro se eleva como uma espádua fulgurante
enquanto um sopro fresco passa sobre as luzes e os lábios.

Ramos Rosa

Não sei se sou espelho de lua, brisa salgada, ou raiz profunda a caminho do céu. Mas quando os olhos se fecham há sempre um astro que flameja.

12.13.2006

Confissão

Aqui diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
Nesta deriva em que vou.

Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,

E dos pecados mortais,
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.

Me confesso
O dono das minhas horas
O das facadas cegas e raivosas,
E o das ternuras lúcidas e mansas.

E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser um monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!


Miguel Torga

12.12.2006

Babel

Subimos em espiral
ao inexplorado topo de Babel
penteando um azul colosal
com laivos de mel

Mesoptânias de sentidos
no Olimpo se banharam,
Alma e corpo despidos
os Deuses iráram

Futuro imposível,
no silêncio adormece,
Idioma imperceptível
que o tempo agora arrefece

12.10.2006

Sono

Em Lemmos nasceste,
irmão gémeo da morte,
perpetuando no tempo
tua misteriosa finalidade.
Nas cortinas pretas
em que Hypnos descançou
tranquilidade, paz e silêncio
flutuaram Lete abaixo,
rio do esquecimento.
Teus filhos são sonhos
que nos levam nos braços
à pureza da eternindade

12.09.2006

Tejo

Madrugada,
Descobre-me o rio
que atravesso tanto
para nada;

E este encanto,
prende por um fio,
é a testemunha do que eu sei dizer.

E a cidade,
chamam-lhe Lisboa
mas é só o rio
que é verdade,
só o rio,
é a casa de água,
casa da cidade em que vim nascer.

Madredeus



Sou feito de água.
Lago cristalino,
mar revolto.
Viajo nas marés,
subo a vapor
mergulho gota a gota
e desaguo em ti,
minha cama
meu adormecer.

12.08.2006

Um simples olá

Dei por mim a magicar sobre este tema trivial. Banal, irrelevante. Talvez. Mas por vezes a nossa mente ocupa-se de coisas insignificantes, à primeira vista, que, do fundo do poço, trazem uma água fresca e cristalina.

Aquele cumprimento rápido e resposta quase automática deixou-me a pensar. “Como estás? Tudo bem?” ao qual respondi “Tudo e contigo?” para me aperceber que o diálogo já terminara pois três passos à frente a minha pergunta ficava sentada, à espera, não surtindo qualquer efeito. E se não estivesse tudo bem? Se algum de nós lhe apetecesse falar? Dar um abraço caloroso por a vida lhe sorrir. Bater com a cabeça na parede, atirar-se da janela?

Qual a lógica destes cumprimentos? Há mais. Querem ver… “Passou bem?”, que interessa o passado se já passou. “Viva”. Viva? o quê? "Bom dia" que se arrisca à ironia da cereja em cima dum bolo que já está a ser terrivel às dez da manhã, e muitas outras se pensarem bem.

Nesse momento fui comprar um gelado, não das minhas marcas favoritas, mas pelo facto de me lembrar que com um simples Olá "a vida sorri".

12.07.2006

Ainda a fogueira da descoberta

Vou dizendo
Certas coisas
Vou sabendo
Certas outras
São verdades
são procuras
Amizades
Aventuras
Quem alcança
Mora longe
Da mudança
Do seu nome
Alegria
Vão tristeza
Fantasia
Incerteza
São verdades
São procuras
Amizades
Aventuras
Quem avança
Guarda o amor
Guarda a esperança
Sem favor
Ainda
Ainda
Ainda
Ainda




Madredeus

Ainda a surpresa da vida
Ainda o fascinio do sonho
Ainda a fogueira da descoberta
Ainda o desejo do que ainda virá
Ainda...

12.05.2006

A hora do lobo

Espero por ti
na hora do lobo
quando as
nossas sombras são iguais

Luis Represas


Na nossa hora
alcateias de palavras,
juntas,
para saciar
uma fome voraz
Pela densa floresta
desbravam caminhos
deixando pegadas na neve

Na nossa hora
escalam montanhas
e, na despedida,
apenas um eco
esbatido
dum uivo
que como feitiço
se faz luar


Para uma feiticeira que se fez lobo na hora certa.

12.02.2006

Barco à vela

Nas vastas águas que as remadas medem.
tranquila a noite está adormecida.
Desliza o barco, sem que se conheça
que o espaço ou tempo existe noutra vida,
em que os barcos naufragam, e nas praias
há cascos arruinados que apodrecem,
a desfazer-se ao sol, ao vento, à chuva,
e cujos nomes se não vêem já.
Ao que singrando vai, a noite esconde o nome.


Jorge de Sena


Também eu perdi a distância,
o tempo dos que perdi,
na noite escura.
Por cada naufrágio junto as velas
içando-as numa maior,
mais forte que os nomes,
resistente a qualquer intempérie.
Uma vela que é onda e sal
aconchegando imagens,
retendo sabores
que permanecem firmes
num sol radioso

12.01.2006

O canto da sereia

Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela.
Que é tão bela,
Oh pescador?

Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Oh pescador!

Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Oh pescador!

Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Oh pescador.

Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela
Foge dela
Oh pescador!

Almeida Garrett

Em qualquer canto do mundo o verdadeiro perigo está na ausência de beleza.

Assíduos do shaker

LinkWithin

Blog Widget by LinkWithin