12.30.2011

Echos


"Existem diferentes tipos de filmes. Alguns você vê para saber como termina. Mas eu vou contra isso"

Há a boa e a má Hollywood e depois há isto [para ouvir bem alto e deixar entranhar os ecos fotográficos por baixo da pele]

Melancholia, by Lars von Trier

12.27.2011

Nuvem [tocada por um vento de lábios azuis]

Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.

Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".

E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir
à despedida.

Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"

E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...

José Gomes Ferreira

12.23.2011

Boas Festas

Qualquer que seja a conjuntura nunca deixe de correr atrás do seu sonho. Se não houver numa pastelaria vá a outra.

XinXin

12.12.2011

A arte do reparar [sem pressa]

Entrevista a um dos escritores portugueses contemporâneos que mais admiro desde que se iniciou e não era muito conhecido. Absolutamente envolvente e fascinante.


1.

O fáscínio da letra, do alfabeto. O alfabeto é uma coisa invulgar porque, com muito pouco material, com muito poucas peças nós conseguimos fazer um conjunto de combinações intermináveis <...> quando nós começamos a ler deixamos de ver a letra <...> as letras fazem parte de um mundo completamente abstrato <...> a velocidade da leitura é um mundo que é completamente distinto do mundo normal <...> abrir um livro é muito semelhante a entrar numa igreja, ou seja, nós diminuimos a velocidade, o silêncio aparece, concentramo-nos. Nós quando abrimos um livro de certa maneira temos ali uma máquina de lentidão <...> As “máquinas de lentidão”, o livro, são cada vez mais necessárias, e é ao mesmo tempo uma máquina de reflexão, de pensamento como não há outra. A televisão, o teatro, o cinema, não têm este tempo individual dado ao leitor, que é uma coisa que o livro tem <...> o leitor pode parar numa frase 2 minutos, 30 segundos ou 2 anos, ou seja o ritmo é do leitor e este o ritmo é do pensamento, é o ritmo próprio do pensamento.


2.

O apelo para o quantitativo <...>; “Pediram-me para rezar mas eu só me lembrava da tabuada” <...> vivemos muito pelo signo da tabuada, quando se pede espírito respondem-nos com a tabuada, quando se pede cultura respondem-nos com a tabuada, e cada vez mais, 2x2=4, quando alguém pede piedade responde-se com 2x2=4, quando alguém pede uma sugestão, 2x2=4 <...>; a possibilidade da pessoa reparar nas coisas, provavelmente o que há hoje muito pouco, devido a esta velocidade, é a dificuldade em parar. E reparar não é parar, é parar, e continuar parado, continuar parado diante da mesma coisa. Parar é continuar parado durante muito tempo diante da mesma coisa <...> Nós só reparamos as coisas [de reparar/arranjar] se repararmos nelas <...> o que julgo que falta é lentidão <...> a multiplicação das imagens leva a uma falta de atenção perigosa


3.

Há uma urgência, a cultura do tempo é deixada para trás <...> a ideia de uma obsessão, a obseção da linha recta <...> o Homem não descansou enquanto não transformou a viagem num percurso em linha recta, primeiro com a auto-estrada <...> e o avião foi o máximo disso, já nem sequer se faz o percurso pelo solo, levanta-se, e tenta-se traçar a linha recta, como uma ideia de caminho mais curto. O que é interessante é que a linha recta está muito ligada, até pela palavra, com a rectidão moral <...> o que me interessava no “Caminho para a Índia” era o desvio da linha recta, a viagem do protagonista está constantemente a sair da linha recta, de certa maneira está a desviar-se geométricamente e moralmente, é uma viagem imoral, perversa e de certa maneira contradiz um pouco esta obseção pela pressa, pela de linha recta, que me parece que está instalada.


Entrevista a Gonçalo M. Tavares na integra aqui

12.11.2011

10 X'mas gifts

Já sabem, estão à vontade... [e podem tirar um post-it]

#1 Human heart decanter


#2 Post-it Watch


#3 Kitty Meow [for a partner]


#4 Old wood wallpaper


#5 Shwood eyewear


#6 Wood Post-it


#7 Pendola clock


#8 The $1 Smartphone case


#9 Glow in the dark Full Moon


#10 Snow-White's Revenge Stencil for Mac

12.09.2011

Uivos do silêncio

"Esse silencio todo me atordoa. Atordoado eu permaneço atento"

Chico Buarque


Desligava o botão do mundo muitas vezes. Sentava-se sem grandes confortos, encostado a uma árvore antiga, trincando uma maçã num qualquer sopé pouco acessível, desfrutando dos uivos do silêncio, que entreabriam ao acaso inícios de livros ainda por inventar. Depressa os largava, soltos, para observar os seus movimentos, pois as histórias não se fizeram para estar aprisionadas ao papel, mas para serem livres como aves migratórias, que quando querem regressam à terra natal. Regressava sempre melhor. Regressava sempre com vontade de partir com elas.




Assíduos do shaker

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