3.07.2010

Silêncio fino

Há silêncios que doem. Que custam, mas que, às vezes, são necessários acorrentar. Há silêncios que ferem, todos os dias, na espera, na ausência. Que afagam ásperos, por dentro, que diluem tatuagens profundas, entranhadas, que nos retiram a pele, deixando-nos em carne viva. Há silêncios que nos apetecem quebrar desde o primeiro segundo, que não se libertam apenas por agrafarmos a boca ao peso do corpo. Há silêncios que podem matar devagar, que entram como punhais e vão abrindo uma ferida, que teima em abrir, abrir, por mais que a agarremos com força, por mais que tratemos dela com imagens, cheiros, memórias. Há silêncios que fazem ecoar mais as saudades, que tocam como sinos, que se deseja que uma palavra as estilhace, as dissipe para longe. Há silêncios cujo mel tarda em amolecer uma garganta rouca de chamar invisível, rouca de nada mais poder dizer. Há silêncios que quase enlouquecem de se saberem sem sentido dentro do sentido que os originou, dentro do sentido que possam ter tido. Um sentido que só o tempo resgatará ou dará perspectiva, um tempo que pode vir tarde de mais. Há silêncios que são contranatura, que apenas se obtêm a ferros, à força de muito contrariar o corpo e a alma, amarrados a âncoras que nunca se tiveram, que nunca existiram, impostas. Há silêncios que fazem falta, talvez, mas o que lhes está por trás ou pela frente faz muito mais falta. Há silêncios que podem deitar tudo a perder, se durarem tempo demais na busca da ferrugem da dúvida e da racionalidade [a que sabe a chuva? A que cheira o vento? Porque chama a lua? Porque partimos com o mar? Somente o corpo limita, cá dentro existe tudo, sem explicações]. Há um silêncio de comboio nocturno, que parte, e de barco à vela que tarda em chegar, naufragando nas horas, à deriva nos minutos, erguendo um braço afogado para acenar no nevoeiro dos dias, no salpicar das ondas, comigo por trás da chuva. Há um silêncio que suspira, que sussurra ao ouvido a chamar as cores para o seu lugar [onde as mãos se desprendem por momentos e tardam em retomar a posição]. Há um silêncio longo demais, limpo e longo, até ao fim do mundo, enlaçando-se num nó apertado, à espera que se levantem as pombas brancas, num beijo, num olhar, que dispense qualquer palavra, num outro tipo de silêncio. Há um silêncio que inventa distâncias onde nunca existiram, que cose o medo e a incerteza à roupa que tarda em despir. Há um silêncio que não nos consola, que não nos pertence. Há um silêncio que nos derrota entre o cimento que asfixia [e as mãos novamente à procura uma da outra, de novo de mãos dadas, na imaginação, não partindo, suspensas nesse silêncio]. Há um silêncio de malas por encher, arrastadas com peso de ar, sem substância, com migalhas para os pardais. Há um silêncio com corredores escuros, com fantasmas e cheios de nada, com uma janela para abrir de par em par. Um silêncio de manto espesso que tenta asfixiar o que ilumina as salas com dedos de poema. Há um silêncio que afasta o litoral da tua boca, que arrasta na corrente. Há um silêncio que arranca as pétalas mas não desfalece o aroma que mora no coração das cerejas. Há um silêncio de cabelos entrelaçados com o vento, impossíveis de afastar de tão enraizados. Há um silêncio pensado que diz não estou quando alguém bate à porta. Um silêncio de dias cinzentos que me debotam de cor e calor. Há um silêncio de espuma a rebentar nas rochas de tanto chamar. Há um silêncio cujo relógio marca outra hora, ontem, agora, que suplica um já [uma barreira calada que espera ser acordada por um grito de gaivota, por um raio de sol]. Há um silêncio de sonata adiada, de madrugada não dormida por não querer acabar. Há um silêncio que ama as palavras guardadas, ainda por dizer. Um silêncio de ave assustada do coração, de sede inesgotável, de cama vazia. Há um silêncio que deixa sempre uma fresta, uma nesga, um túnel que nunca se fecha, uma ponte para seguir o rasto [sabes? os meus olhos, és tu que tens nesse silêncio, e a tua pele? é minha, não ta devolvo]. Há um silêncio de canteiro de jasmim, que fica preso numa textura, na ponta dos dedos, num paladar. Há um silêncio que não sabe o que fazer com as palavras que sobram, com as praias que ainda não vimos, com o que ficou por fazer. Há um silêncio que não é nosso, que nunca morou entre nós.

7 comentários:

macaco do 1ºD disse...

Boa Tarde Estimado,

É um prazer contactá-lo e em primeiro lugar elogiar pelo bom blog que expõe a todos nós, leitores.

Envio este e-amil para anunciar a abertura de um novo blog, o "Macaquinhos no Sótão". http://osmacacosdosotao.blogspot.com/

Um blog pensado há muito, mas que só agora decidi abrir.

Gostaria muito de contar com a sua ajuda na promoção deste blog, colocando o link, se possivel

Como é claro, retribuirei sem piscar os olhos em colocar o seu link na minha página!

Espero uma resposta sua.

Dry-Martini disse...

Macaco: Não me promovo, nem promovo ninguém e só coloco na barra lateral o que gosto [não leves a mal], prometo espreitar e olhar com olhos de ver, isso sim.

XinXin

Poetic Girl disse...

Sabes devias partilhar este teu silêncio no blog http://fabricadeletrasepalavras.blogspot.com/, este mês o tema é mesmo o silência e este teu texto está tão magnifico que acho que devia estar lá... isto é a minha opinião claro... beijocas

Dry-Martini disse...

Poetic: Está outro .)

XinXin

Quase disse...

S.u.b.l.i.m.e!
(orque perante o que li não podia ficar em silêncio.....)

Xin Xin

um perfeito estranho disse...

Lindo. Perfeito.
Parabéns.
É um prazer passar e ficar por aqui. Em silêncio.

Dry-Martini disse...

Quase e Perfeito estranho: Obrigado .)

XinXin

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