Hoje ninguém me veio visitar, excepto o vento e uma voz, que veio de longe. Não conheço ambos: o vento é sempre imprevisível, nunca se dá a conhecer, e as vozes, que vêm de longe, deixam sempre pegadas e trilhos para outras se lhe seguirem lançando a confusão.
O vento passa, deixando o rasto da sua passagem, num frio instalado nas mãos, que entretanto se aquecem, sem darmos conta, afagando um gato invisível, que se enrosca na atenção, imóvel, de olhos entreabertos, à caça, da tal voz que veio de longe com pés de lã.
Olho, não a voz, mas o seu reflexo [uma voz nunca se pode olhar, apenas se toca e se sente nos brilhos, nas pausas ou entoações], que por vezes é mais nítido que a própria imagem - traz coisas agarradas, como folhas e troncos velhos descendo num rio - mas agarradas a cuspo, podendo soltar-se a qualquer momento, a qualquer bafejar mais forte de vento.
Vejo o fundo do rio, mas não o da voz. Vejo a janela entreaberta, mas não a força do vento. Hoje ninguém me veio visitar excepto o vento e uma voz, que veio de longe mas já partiu.
1 comentário:
há vozes que desejam apenas fazerem-se sentir e ventos que como as caricias existem apenas no momento em que o sentimos...
beijinho silêncioso
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