Subiu pelo risco do relâmpago e ali se deitou, cansado de si e do mundo, cansado de tudo, viajando, para longe, num turbilhão de nuvens que roçavam os novelos, tentando ganhar posição, a amolecer arestas na áspera densidade magnética que assolava a terra, outrora firme. Contemplava o mar revolto e o descontrolo do vento, castigando a praia deserta em investidas ritmadas. O raio levantara já a âncora, apercebera-se agora - já não podia regressar, já era tarde - podia dormir, sim, porque não? tentar dormir, acima de todas as confusões, ali longe de tudo. Fechou os olhos, por breves segundos, e veio-lhe a imagem de duas gotas de chuva, viajando incertas num vidro fosco, ora afastando-se, ora aproximando-se, cruzando-se até numa só, tentava adivinhar-lhe os seus caminhos, num esforço sempre inglório. A dado momento jurava ter sentido um beijo de boa noite, mesmo ali na bochecha esquerda, ou seria uma das gotas que lhe escapara da imagem? Um estrondo de trovão, surgiu e correu as cortinas sedosas da noite. Choveu a noite toda, dentro e fora de si, choveu tudo o que havia para chover, cães e gatos, sapos, canivetes, gotas nos vidros e beijos húmidos de boa noite. Choveu a noite toda, mas não dormiu.
1 comentário:
um beijo de boa noite. na bochecha direita.
:)
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