É engraçado como a escrita nos bate à porta e entra sem nos dar tempo de levantar, para a abrir. Quando damos por ela já nos invadiu por inteiro e temos de a soltar cá para fora. Passou toda a semana a preencher-me os espaços, a aconchegar-se com frases soltas e palavras avulso, pintando frescos por dentro com imagens ou fios suspensos como teias de aranha. Um novelo sem nexo ou vontade própria, que se junta, aos poucos, com nós firmes, à espera duma mão que os desate de novo para o papel. Sempre branco, sempre escasso.
É engraçado como não parte este peso dos olhos, como teima em não se levantar. Por mais que se durma, por mais que se descansasse ou se tente simplesmente não pensar em nada. Permanece, não sei se aqui se acolá, algures presente, impenetrável, um cansaço apoiado nos ombros. E dentro das pálpebras sorrisos de criança a brincar, saltando de nuvem em nuvem, arrastando o som da infância até ao futuro incerto.
É engraçado como escrevo sem vontade que me leiam, correndo o risco de captarem uma frase ou imagem errada, que não é para quem a lê, que se apanha por engano, e magoa ou fica a remoer. Que sabemos nós afinal? Nada disso, hoje, aqui, agora sou apenas uma espécie de árvore, imóvel mas que sente sem querer ser visto. Que sente as coisa que lhe tocam sem ter qualquer vontade de as tocar. Pássaros que vêm pousar e nos cantam ao ouvido. Algures distante, Imóvel, pesado.
É engraçado como sinto uma lareira apagada com uma ténue chama, quase invisível, mas que se sabe ter, que se sabe não apagada. Que se sabe no limite mas também se sabe poder recuperar. Com tempo. Com o tempo que só o tempo pode e sabe dar. Com o tempo necessário para cansar o próprio cansaço.
É engraçado como os olhos vêm ao longe um vidro de comboio molhado por lágrimas que nos partem por dentro, num pó cortante, moído. Um comboio em andamento, sem retorno. Ali, com ele o cansaço teima em não partir. Agarrado com as unhas pesado. Tão pesado.
É engraçado como se tem a certeza de querer recomeçar mas deixar tudo bem, tudo sarado, tudo em paz. É engraçado como não tem graça nenhuma. É engraçado escrever isto aqui. Apenas, talvez, porque me fez sentir melhor.
Escrito algures numa viagem distante mas necessária