“Tenho visto que as pessoas ao morrerem se alteram nos retratos, em vivas distraíam-se de nós
e agora sérias, atentas”
António Lobo Antunes
Era um retrato vivo, que lhe falava baixinho, numa presença táctil. Aquática. Ondulava-lhe nos olhos. Diluía-se no coração e demorava-se, por lá. Beijava-lhe o rosto ou a testa e puxava-lhe a mão, para a libertar numa paz estranha ou numa inquietude de fazer perder o pé.
Era um retrato que conversava calado. Mudo. Que caminhava, a seu lado, mesmo depois de ter ficado para trás. Ia falando, ao longo do dia, desprovido de gestos ou palavras, num som, num cheiro ou numa brisa mais fria que surpreendia, de repente, a atenção.
Era um retrato, preso num vidro de moldura. Fechado mas vivo, respirando fora dele. Respirando com ele próprio. Era um retrato atento. Sério. Era um caso sério. Era um retrato vivo. E gostava dele assim.
4 comentários:
tornaste-te retrato em qualquer moldura e não ouço o tempo em nenhum relógio.
...
:)
Mal li a citação pensei "o meu António Lobo Antunes!" e tinha razão!
Mal li o resto do texto pensei "delicioso como sempre" e sorri! :)
"Que caminhava, a seu lado, mesmo depois de ter ficado para trás." Tantas pessoas que ainda caminham ao meu lado...
Lindo !
Um beijo
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