5.13.2009

Imobilidade

Permanecia imóvel. Respirando. Cansando os olhos atentos. Sentindo o sangue, em viagem. A mando de algo. De alguém. Para além da vontade. Preso a si próprio. Na estranheza do que não se comanda. 

O cansaço a ocupar-lhe todos os espaços. A conquistar território. Como uma droga, a alastrar caminho. Um cansaço a cair como um nevoeiro cerrado. Líquido. A encher o corpo estanque. A alma fechada, sem fuga possível. Sem resistir. Podia escapar tão facilmente. Mas não apetecia. Permanecia imóvel, olhando a estaticidade das coisas. O eco. O vazio da matéria.

O tédio de tudo ter feito. De tudo ter podido fazer. Nunca suficiente ou apaziguador. A alegria das coisas simples, intensas mas sempre fugazes. A sensação insuportável de nada desejar. A ausência de algo que sempre faltava. Que sempre lhe faltaria. Seria tão fácil se o soubesse. 

A solidão entre uma multidão de caras. Um mundo cada vez mais distante. O afastar do outrora próximo. Pessoa a pessoa. Lugar a lugar. Uma amarra que se soltara. Irrecuperável. Um barco à deriva.

Permanecia imóvel. Abandonando esperas e equivocos. Todos se enganam, a dado momento, com frases feitas. Os outros. Os próprios. Com mais ou menos conforto. Com mais ou menos alentos ou laivos de fé. Falsas esperanças. Mentiras.

Permanecia imóvel partindo numa música ou com um pássaro da janela. Surgia-lhe uma frase do nada "Partir para onde?", rebentando-lhe a bolha onde levitara por ténues momentos. Regressava. Para quê? Se nada chama. Se nada se deseja. E o cansaço incansável. Impiedoso. A ganhar corpo ao próprio corpo.

Não resistia. Imóvel. Com uma sonolência a invadir-lhe a pele. Sorria-lhe, para dentro, sem um sorriso. Talvez a dar-lhe as boas vindas. Consciente da partida. Próxima. Reconfortante.

Permanecia imóvel esvaziando o tempo. Podendo ainda mudar o rumo. À distância de um simples desejo que tardava em não querer aparecer. Talvez por o saber não duradouro. Não suficiente. 

Não esperava já nada. Nada. Ninguém. Perdera o interesse de tudo. Até da surpresa. Apaixonara-se facilmente demais. Pelas pessoas. Pelas coisas. O que lhe tornava insuportável vê-las morrer nas suas mãos. Nesse prazo de validade que sempre o atraiçoava.

Andava no mundo arranstando-se. Prestando atenção em coisas frágeis. Fugazes. Tocando-as e sendo tocado por elas. Coisas que padeciam sempre. 

Não gostava de despedidas. Estava cansado. Os olhos atentos fecharam-se, finalmente numa imobilidade de campos de trigo, já não presenciando o estilhaçar do frasco agarrado e um saltirar redondo de ritmo colorido, que o tempo fez o favor de também silenciar. 

2 comentários:

Wicca disse...

Lindoooooo

A imagem do campo é aconchegante!

"Apaixonara-se facilmente demais. Pelas pessoas. Pelas coisas. O que lhe tornava insuportável vê-las morrer nas suas mãos."
Hummm... a fragilidade de tudo é assustadora!!!!

me. disse...

Gostei;
Deste cheio de nada que existe tanto em tudo!

Xin Xin

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