10.08.2008

A verdade da mentira

Cada vez mais questionava a utilidade de certas verdades. A sua inócua e imbeliscável aura sagrada. O seu prepósito ou missão por vezes tão desnecessários. Insensíveis até. Justificáveis apenas por essa palavra fundamentalista que tanto esconde afinal – a verdade. [Que coisa horrível de dizer ou mesmo pensar, à primeira vista].

Sempre fora seu seguidor. Adiando, quanto muito, algumas vezes (poucas) o seu frágil rebentar de bolha de sabão com o devido cuidado para não salpicar os olhos, sedentos de verdade. Não que gostasse da mentira: maldosa, mesquinha, intriguista. Nada disso. Mas a verdade tem muito de mentira em si mesma. Não existe, tantas vezes, no estado bruto. Absoluto. É volátil. Mutável. Por vezes, profundamente injusta. Má até. Por vezes apenas tranquilizante interior. Nem sempre para outrém, tantas vezes para ouvir o que se quer ouvir.

Cada vez mais questionava o momento e a esperança de vida de certas verdades. E ficava atento ao seu resguardo, quase carinhoso, que chegava a encarar como uma virtude. Para não ferir alguém, para não melindrar. Para não preocupar. Que atire a primeira pedra quem nunca guardou uma mentira.

São poucas as coisas que dispensam a verdade ou a mentira. Que simplesmente acontecem, crescem, existem e morrem. E ficam perfeitas assim. Nesse estado híbrido e tão tranquilo. Sem essa necessidade qualificativa do certo ou do errado. No inexplicável mistério de certas certezas universais, que dispensam a verdade ou a mentira. É talvez essa a pequena verdade presente na mentira. A verdade da mentira.

9 comentários:

Paulo Lontro disse...

Se a verdade é a conformidade do pensamento com a realidade, não há meias verdades ou meias mentiras ou verdades e mentiras especiais ou pedagógicas ou terapêuticas ou piedosas ou, ou, ou …..

Também a realidade não é mutável, está lá não se pode fazer nada.
O nosso pensamento, a nossa alma essa sim pode ser o que quisermos, aquilo que pensamos ser mais “útil” para um determinado momento ou situação.
É de facto uma equação de primeiro grau, simples, uma única variável.

Dry, posso concordar com o teu texto se concordares que não é a verdade que possui um pouco de mentira ou a mentira que possui a pouco de verdade mas sim a tua alma que molda a tua vontade de ver um pouco de cada coisa na outra, conforme as tuas conveniências, independentemente ou mesmo sem julgamentos, juízos de valor sem pensar se isso é certo ou errado, bom ou mau.

Se assim for, não fazes nem pensas nem mais nem menos do que qualquer um de nós.

Que atire a primeira pedra quem o negar …

Anónimo disse...

Gostei muito do teu texto.
como começa a ser hábito diga-se de passagem.

È bom encontrar mentes desenvolvidas, inteligentes e cultas nesta blogosfera.

Fizeste-me lembrar Almeida Garret e o seu "Falar verdade a mentir". Uma obra que me marcou bastante apesar da comédia que dela se encenou.

Todos mentimos na verdade, mais que não seja a própria verdade ser uma grande mentira.

Um beijo

Dry-Martini disse...

Paulo,

A verdade e a mentira dependem muito de nós e do momento (concordo) mas a realidade é também um bocadinho mutável. Compreendo o que dizes, mas a única coisa que quiz transmitir é que nem sempre as verdades são universais e nem sempre são melhores que certas mentiras. É um tema complexo e como tal de todo não consensual.

XinXin

Dry-Martini disse...

Doce veneno

O teu comentário tem tanto de simpático como de demasiado elogioso, sou uma mente talvez um bocadinho (pouco) culta mas estremamente subdesenvolvida e pouco inteligente, ou não estivesse ainda a viver em Portugal. Será que sou masoquista? :)

XinXin

Lilazdavioleta disse...

Este assunto dava para uma " mesa redonda ", coisa que este espaço ñ é.
vou ser breve.
Para mim , a verdade tal como a mentira existem como qualquer outra premissa , inteiras.
Se podem mudar devido a variadíssimas circunstâncias , continuam a sê - lo.
Qto à realidade ñ ser mutável , ñ concordo , já que ela se liga á alma e ao pensamento ( que podem mudar , segundo paulo lontro ).
Daí, a realidade , tb mudar .
E muda , ñ um bocadinho , mas ela em si , conforme os " olhos " que a observam .
Mas mais simples , tudo isto ...
" somos nós " .

Andrómeda disse...

Sou pragmática e, correndo o risco de ser considerada insensível, apenas me ocorre este pensamento: qualquer ocultação da verdade, mesmo que seja apenas a minha verdade, é um "desisitir do outro" (tradução: não te vou dizer o que penso porque te posso magoar") - e isso é a maior falta de respeito que se pode ter pelo outro, muito pior do que a possibilidade de o magoar. Não dizer é o mesmo que lhe dizer "és-me indiferente".
Ocultação é sinónimo de comodismo abjecto escondido sob a capa de misericórdiazinha.
Mas, por outro lado, claro que nunda disse à minha mãe que me assaltaram com uma navalha ... para quê? ...

Dry-Martini disse...

Lilaz,

É sempre muito bem vinda com a profundidade dos seus pensamentos, mesmo não sendo, como diz e bem, uma mesa redonda .)

XinXin

Dry-Martini disse...

Carissima Andrómeda,

Percebo o que dizes, é um tema polémico talvez, foi prepositado. Adorei todos os vossos comentários. Fizeram-me pensar... Obrigado.

XinXin

PS: Sempre pensei que se fosses assaltada seria com uma arma :)

Anónimo disse...

Dry Martini, elogio aquilo que gosto de ler e não tenho receio de cair em demasia.
Se gosto, gosto mesmo. Sou assim.
8 ou 80 talvez.
Provavelmente serás masoquista.. eheh.
Obrigado pela passagem,

um beijo

Assíduos do shaker

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