1.30.2008

Quero falar-te dos meus sentimentos

“Quero falar-te dos meus sentimentos”. Foi assim que a comunicação começou.
Comunicar é como jogar andebol. Eu atiro a bola e tu apanha-la. Depois, tu atiras a bola e eu apanho-a . E, outra vez, eu atiro a bola...
“Quero falar-te dos meus sentimentos.” Foi assim que a comunicação começou.
Tal como precisamos de atirar a bola para trás e para a frente para jogar andebol, precisamos de falar uns aos outros dos nossos sentimentos para comunicar.

Se estamos demasiado perto ou excessivamente afastados uns dos outros, não é fácil jogar andebol. A comunicar é o mesmo. Se estivermos muito perto ou demasiado afastados dos nossos amantes ou dos nossos amigos ou de um filho ou dos nossos pais, não será fácil comunicar com eles. A comunicação não começa com ambas as pessoas a falar ao mesmo tempo. O primeiro gesto tem de partir de uma delas. Alguém tem de atirar a primeira bola. Mas você pode não querer ser o primeiro a atirar a bola – pode querer esperar que alguém lha atire. (Porque quando a atira e ninguém tenta apanhá-la, fica infeliz.)

Há alturas em que se sente inesperadamente rejeitado. Há alturas em que atira a bola, querendo jogar andebol com outra pessoa, e acaba por ver essa pessoa atirar a bola a uma terceira. Habituamo-nos desde cedo a que algumas pessoas não ouçam o que lhe queremos dizer. “Agora estou ocupado”, dizem elas. “Falaremos mais tarde, está bem?” E assim, acabamos por pensar “Afinal o que eu digo não interessa”. É por isso que é preciso ter a coragem para ser o primeiro a atirar a bola. Algumas vezes, quando finalmente arranjamos coragem para atirar a bola a outra pessoa, ela desvia-a para o lado. Alguma vez isto lhe aconteceu? Ou lançamos uma bola com toda a nossa alma, e a pessoa a quem atiramos devolve-a com um pontapé... Alguma vez isso lhe aconteceu? Ou atiramos uma bola muito rica e muito grande, que nos é devolvida muito mais magrinha... Alguma vez isso lhe aconteceu?

Já alguma vez disse a si próprio, “Em vez de atirar a bola eu mesmo, e ser infeliz, é melhor não a atirar nunca e esperar que alguém ma atire”? Mas e se ninguém a atira...?
Você não é o único a ser inesperadamente rejeitado, a receber a bola de volta, intocada, a ser infeliz. Talvez dê também pontapés nas bolas algumas vezes, e faça alguém infeliz, sem saber que o está a fazer! Todos nós queremos que as bolas que atiramos sejam aceites. Todos nós queremos ter alguém que ouça o que temos para dizer. Todos nós queremos que os outros saibam que existimos. Mas quem é que realmente está pronto para aceitar todos aqueles que querem que os outros dêem por eles? Se a pessoa a quem atiramos uma bola com toda a nossa alma a apanhar, e se nós apanharmos a bola que essa pessoa nos lança de volta, então um acto de comunicação acontece. Mas às vezes sentimos, “Ele não a apanha do modo como eu queria que o fizesse!” Ou, “Não há maneira de eu poder apanhar a bola que ele me atirou!”

Há sempre infelizmente muitas tentativas de comunicação que não chegam a concretizar-se. Quando as comunicações não concretizadas se acumulam, as nossas emoções tornam-se instáveis. Tornamo-nos tristes , preocupados, zangados, preconceituosos, pouco amigáveis. E, de vez em quando, explodimos... Então, pouco a pouco, chegamos a um ponto em que não sentimos nada... E mais tarde ou mais cedo, estamos sós.
Se a pessoa a quem atirámos a bola não a apanhou como queríamos não a culpemos por isso. Talvez seja simplesmente porque ela não é uma boa jogadora de andebol. Talvez seja só porque estava nervosa e a mão lhe escorregou. Talvez seja só porque a nossa bola era demasiado pesada.
Se o seu patrão ou os seus pais ou o seu parceiro nunca o deixam dizer de sua justiça, como é que isso o faz sentir-se? Se, pelo contrário, lhe atiram três ou quatro bolas ao mesmo tempo, como é que isso o faz sentir-se?

A sua capacidade de comunicar pode ser avaliada pela reacção da pessoa com quem está a tentar comunicar. Mesmo que você não o queira admitir. Há uma boa e uma má maneira de comunicar.
Trocar comunicação é uma boa maneira de comunicar. Não trocar comunicação é uma má maneira de Comunicar. É igualmente mau trocar alguma coisa que parece Comunicar – mas que, na verdade, o não é.
O que significa parecer comunicar? Falar somente sobre o tempo, ou sobre desportos, ou sobre o sexo oposto é parecer comunicar. Falar somente do papel que desempenhamos na vida (como alguém mais velho, como professor, como jovem, como marido, como esposa) é parecer comunicar. Quando se trocam banalidades apenas parecidas com comunicar não se corre o risco de aparentar solidão ou sentir dor. Não temos de nos preocupar com sentimentos ou raciocínios inesperados. Mas também não experimentamos a alegria súbita e irresistível – ou o sentimento de estarmos realmente vivos.

Se o comportamento da pessoa com quem se está a comunicar não muda, quer dizer que não houve realmente qualquer comunicação entre vós. Houve apenas jogos sociais. A verdadeira comunicação gera sempre um novo comportamento. Há uma diferença entre comunicar com pessoas e simplesmente confirmar relações existentes entre elas. As relações tornam-se rígidas. Comunicar pode mudar isso.
Que tipo de relações quer ter? Uma das dificuldades que há em comunicar é que sempre que dizemos que queremos ser amigos de alguém estamos, na verdade, apostados em mostrar a essa pessoa que somos um pouco melhores do que ele ou ela é.
Que espécie de relacionamentos quer ter com outra pessoa? Um relacionamento unilateral? Querem ignorar-se um ao outro? Jogar com brutalidade? Ou esconder os vossos sentimentos? “Se ao menos eu fosse melhor do que ele ou ela” diz você. Sem nos apercebermos disso, usamos muitas vezes a comunicação como um meio de competir. Lembre-se porém: Só se atinge um novo nível de comunicação com aquilo a que pode chamar-se compreensão. As pessoas mudam o seu comportamento quando se sentem compreendidas.

Gostar de outra pessoa não é necessariamente compreende-la. Se há uma pessoa de quem simplesmente não goste, esforce-se por conhecer primeiro o “eu” que não gosta dessa pessoa. A forma como conhecemos outra pessoa coincide inteiramente com a forma como nos conhecemos a nós próprios. Conhecer é saber ouvir o que a outra pessoa está a dizer.
“Quero falar sobre os meus sentimentos”, pode você dizer, “mas ninguém me ouve.” Não é o único que pensa isto muitas vezes. De facto, isso é o que acontece sempre que as pessoas tentam usar a comunicação para competir, em vez de conhecer. Enquanto pensar que a capacidade para comunicar idêntica à capacidade para falar, nunca experimentará um sentimento de união com outra pessoa. A capacidade para comunicar depende da capacidade para fazer a outra pessoa falar – e da sua capacidade para ouvir o que ela está a dizer. Só se ouve verdadeiramente quando se ouve tudo o que a pessoa está a dizer sem julgar, ou negar, ou comparar essa pessoa connosco.

Se se está verdadeiramente a ouvir, e se está preparado para compreender, será fácil para a outra pessoa falar. Mesmo que a bola seja difícil de apanhar, ou tenha sido atirada debilmente,
se fizer o seu melhor para a apanhar... consegue! Não conseguirá apanhar nenhuma bola se se limitar a esperar. Se está pronto realmente para conhecer, dê um passo em frente. Use o seu corpo todo. Estenda a sua mão e descubra o que está mesmo à sua frente. Se pensa que compreender outra pessoa significa concordar com tudo o que ela diz e faz, a compreensão não será fácil.

Conhecer significa ouvir tudo o que a outra pessoa tem para dizer a tomar o que a outra pessoa diz pelo seu valor facial. Se há compreensão, pode ter-se pensamentos diferentes, interesses diferentes, sentimentos diferentes – e ainda assim estar juntos. Quando o conhecimento ocorre, atinge-se um outro patamar de comunicação. Quando um determinado patamar de comunicação se cumpre, sentimo-nos um pouco aliviados. Quando duas pessoas se encontram pela primeira vez, ambas estão nervosas. O problema não é o nervosismo. O problema está em tentar escondê-lo.

Às vezes, você preocupa-se tanto em atirar bem a bola que esquece a preocupação e age como se nada estivesse errado. Ou preocupa-se tanto em apanhar bem a bola que esquece a preocupação e age como se nada estivesse errado. No próprio instante em que deixa de agir como se nada estivesse errado, começa a conhecer-se a si mesmo. Somente depois de você se conhecer a si mesmo pode ocorrer a verdadeira comunicação.

“Quero falar-te dos meus sentimentos.” No momento em que começar a sentir deste modo, começa a atirar bolas que são fáceis de apanhar. (É impossível que alguém que não tenha jogado
muitas vezes andebol apanhe bolas rápidas e em curva, mesmo que queira muito consegui-lo. Se a pessoa com quem está a jogar não estiver pronta para o conhecer, atire-lhe uma bola que seja fácil de apanhar.)

Vivemos graças à comunicação. Quando a nossa comunicação com alguém se altera, a nossa relação com os outros muda também. Tal como muda a nossa relação com o trabalho e a nossa relação com a vida. Até a nossa relação connosco mesmos mudará igualmente.

“Quero falar-te dos meus sentimentos.”
É assim que a comunicação começa.


Mamoru Itoh


Para uma menina não desistir nunca de comunicar.
Para algumas pessoas a quem estou cansado de enviar bolas, sem retorno. Para mim próprio. Para quem quizer...

11 comentários:

lilazdavioleta disse...

Se me atirassem uma bola para jogar andebol, ficaria com ela na mão, e diria que não sei jogar esse jogo.
Então proporia outro. O importante
é não deixar de jogar.
Mas, tb, é importante que o parceiro saiba outros jogos, e esteja interessado na mudança.
Mas na vida, há sempre alguém pronto a devolver uma bola que foi arremetida com perícia, carinho e interesse de de compartilhar, esta bola que todos habitamos.

Dry-Martini disse...

Engana-se Liláz, é das melhores jogadoras de andebol que conheço, até porque tem uma calma e paciência (comprovado por ter lido este post até ao fim) que admiro. Aprendo muito consigo. Sabe? Continue a enviar-me algumas bolas, eu tentarei estar à sua altura .)

Anónimo disse...

Quando as bolas bolas são atiradas a alguém que as não recebe, não por serem pesadas, não por se estar distraído, mas porque simplesmente aquela bola não interessa? Como se faz?

Dry-Martini disse...

Nesse caso simplesmente não existe comunicação pois nada acontece. Mas devemos ter pelo menos a sensibilidade para perceber que mesmo nada significar para quem as recebe pode significar muito para quem as envia. E no mínimo podemos sempre enviar uma simples resposta.

Anónimo disse...

É engraçado que te vejo falar (escrever) sempre na perspectiva do emissor. A comunicação exige um emissor e um receptor, aprendemos nós no banco da escola (hoje não sei como é, podem não ser bancos, e a numenclatura pode não ser a mesma, mas a perspectiva é)que no acto da comunicação, existe sempre um emissor. Mas também um receptor. Podemos ser belíssimos emissores, péssimos receptores. E vice-versa. E pronto, gosto sempre de acabar com o vice versa que parece que tenho duas perspectivas acerca das coisas. Mas não tenho, é só a fingir.

Dry-Martini disse...

Eu não tomo partido de emissor ou receptor e tenho normalmente grande abertura a diferentes perspectivas. Todos cometemos falhas de comunicação, deixando escapar "bolas" que nos são enviadas, por vezes com tanto carinho e às quais o nosso silêncio ou falta de atenção magoa. O importante é mantermo-nos atentos. É um tema complexo, pessoal e sensível e que neste fórum apenas é potenciador de más interpretações e mal entendidos.

Anónimo disse...

Independente da "licença poética", a palavra "quiser" se escreve com "s".

Gisela FFale disse...

para mim, mais de que um jogo...em que se atiram bolas, fazem passes, às vezes traiçoeiros para se ganhar o jogo
...a comunicação é um espelho...e sem uma vontade de "ler" os outros em nós, e nos lermos nos outros, não me pareça que haja emissor ou receptor melhores que sejam...que consigam "Falar dos Sentimentos"..."Ouvir os Sentimentos" :)

("mas isto sou só eu, os outros não sei")

R. disse...

Ontem apaixonei-me por este livro :)

Filipa disse...

A transcrição deste livro está errada e altera o seu significado. Pelo menos a última parte. Quanto ao resto não posso comentar, porque não decorei o livro todo e não o tenho à minha frente neste momento.
Que tal um bocadinho de maior rigor e atenção na sua vida?
Andar a copiar os erros dos outros também não serve para nada... Faça você mesmo e faça-o bem. :)

Dry-Martini disse...

Filipa,

Respeito o seu comentário, mas está enganada. Tenho o livro e transcrevi-o na integra, sem tirar nem pôr. Tenho também o cuidado de identificar os autores sempre que faço citações, pelo que não me revejo no seu comentário.

XinXin

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