Era uma mulher perfeita, com uma força sobrenatural típica das grandes catástrofes. Sempre tivera o que entendera, num simples estalar de dedos. Os homens sempre tinham caído a seus pés como insectos atraídos pela luz. Embatendo num vidro intransponível. Autênticos bonecos, nas suas mãos esguias como cobras.
Sempre quisera, no entanto, ficar só, afastando-os, um a um, numa brusquidão seca e insensível. Tinha a beleza magnética dum felino. Indomável. Imprevisível. Inatingível.
Aquela frase permanecia na sua cabeça como um mistério. Numa crueza lisonjeira mas irónica. Porquê ele? Perguntava-se. Ele, que sentira o seu veneno a espalhar-se no corpo mas conseguira ficar totalmente imune. Talvez por isso, lhe tivesse permitido aproximar-se. Aos poucos, é certo. Quase a medo. Mas habituara-se.
Talvez ela, no fundo, sentisse que ele a compreendia, por detrás da sua espessa armadura. Talvez aprecia-se as suas críticas e conselhos, apesar de nunca os ouvir ou seguir.
Nunca mostrava a mais pequena fraqueza, mesmo para ele, que a conhecia tão bem e que aprendera a ler os seus códigos indecifráveis. Encriptados aos comuns observadores. Nunca lhe vira uma lágrima. Um suspiro. Uma neblina, mais ténue, no seu olhar quente e distante. Mas sabia sempre quando não estava bem ou se sentia só.
Talvez, com o avançar da idade, sentisse pela primeira vez, algo fugir-lhe. Querendo prolongar noutro corpo os seus segredos, refinando essa natureza felina ou corrigindo-a, de vez, extinguindo esses genes malévolos, essa revolta interior.
Ela que sempre dissera que quando quisesse um filho simplesmente o adoptaria queria agora um filho, e logo seu. Encontrara finalmente um objectivo duradouro? Quereria pela primeira vez amar de verdade?
To be continued
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