Não ignoro o abismo entre a ideia de escrever e escrever, distância que superei com alguma ajuda, inclino-me mais para a inconsciência do que para a força de vontade.
Escrevia por escrever, às escondidas, sem dizer nada a ninguém – como se houvesse gente interessada no que fazia ou deixava de fazer e escondendo muito bem dela os cadernos que ia completando, não os trazendo para casa.
Procurava escrever precisamente o que via, o que fazia, o que passava nos estreitos limites do meu mundo, afastando para longe tudo o que não via, o que não fazia. A vida e o tédio continuam a ser o que eram, o que sempre tinham sido, só que deixavam de ser exclusivamente suportados para serem olhados e isso trazia muitas vezes um alívio, uma libertação, uma revolução aos meus dias.
As coisas actuavam sobre mim como sempre, mas eu não ficava calado, reagia escrevendo.
Ao escrever, o que é distinto do tempo em que se está a juntar as palavras sobre essa folha, passei a ser duas pessoas, uma das quais observava, por vezes espantada, a outra que ansiava pelo resultado como uma criança.
Era uma coisa muito estranha e de facto mágica.
Foi assim que tudo começou e ao mesmo tempo e pelos mesmos motivos tudo terminou.
Pedro Paixão
2 comentários:
"Estamos condenados a pensar com palavras, a sentir com palavras, se queremos pelo menos que os outros sintam connosco. Mas as palavras são pedras" VF.
Ainda assim, restarão muitas dúvidas quanto à magia da escrita, também essa por palavras. Eu que o diga...
Correcção: eu queria dizer "restarão poucas dúvidas", arriscar-me-ia a dizer nenhumas. A escrita é, de facto, mágica.
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