6.26.2011

Transparências do mundo

Fotografava a textura das coisas e das palavras, fazendo pausas espassadas como para que respirar, não com o nariz mas com os dedos e com os olhos fechados. Um travar fundo de um fumo espesso mas invisível, que lhes extraía cor e movimento, dilatando o tempo nas veias para lá do tempo, para lá do corpo, ecoando segredos protegidos nas pálpebras fechadas. Fotografava a textura das coisas e das palavras: transparências do mundo, tão visíveis, tão eternas.

6.18.2011

Uma vida e uma palavra

Se não fosses tu quem abriria os espelhos?
aconchegando barulho da chuva aos lençois

Se não fosses tu quem inventaria este mar?
de todas as cores, de todas as vontades

Se não fosses tu quem distrairia a noite do seu silêncio?
p'ra ser mão e gemido suspenso na saliva

Se não fosses tu onde assassinaria esta saudade?
Infinita, onde todos os relógios avançam e depois o mundo submerge

Talvez numa vida...
Uma vida e uma palavra

6.17.2011

Tudo [ardia]

Nesses dias era sílaba a sílaba que chegavas.
Quem conheça o sul e a sua transparência
também sabe que no verão pelas veredas
da cal a crispação da sombra caminha devagar.
De tanta palavra que disseste algumas
se perdiam, outras duram ainda, são lume
breve arado ceia de pobre roupa remendada.
Habitavas a terra, o comum da terra, e a paixão
era morada e instrumento de alegria.
Esse eras tu: inclinação da água. Na margem
vento areias mastros lábios, tudo ardia.

Eugénio de Andrade

6.16.2011

Assíduos do shaker

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